Monday, December 23, 2019

Düsseldorf Anno VI

Viena (mais um dia e férias)

Escrevi o texto abaixo dia 01.03.2012 e nao sei por que cargas d'água nao publiquei. Um relato sobre nossos primeiros dias em Düsseldorf em Marco de 2006 e comentários simpáticos a uma certa Frau Rouxinol, que o diabo já carregou faz tempo.


"Hilden (o implacável Sr. Tempo ataca novamente)

Foi num vôo da Air Berlin aterrisando as 8h da matina que nos trouxe para Alemanha. Vindos de Viena, capital austríaca e melhor cidade do Mundo para se viver, chegamos em Düsseldorf cheios de incertezas. Uma coisa certamente mudaria imediatamente para melhor: o apartamento maior, mais confortável e bem localizado.

Na capital austríaca a Gumpendorfer Straße 32, 1060 (6. Bezirk) nos acomodou por dois meses após a lua de mel em Paris no já distante Dezembro de 2005. Acomodou é modo de dizer. Era o studio que um artista austríaco amigo meu Leo Schatzl nos emprestou por dois meses. Demos uma geral antes dele embarcar para o Brasil por quatro meses para que Ela nao estranhasse assim tantas mudancas ao mesmo tempo. Ela havia chutado o balde, literalmente, no Brasil. Largara a sociedade num escritório de advocacia, a família feliz e contente, a cidade onde nascera, o sol e calor brasileiros que tanto amava, o português e qualquer outro apego emocional. Era um tiro no escuro, mas havia uma estranha certeza no ar. De ambos os lados. Ela se juntaria ao conhecido, dos melhores amigos da agora ex-amiga. Após míseros 19 dias juntos curtindo um sonho de verao europeu que com certeza nao duraria para sempre.

O studio do artista tinha várias prateleiras recheadas de livros de arte, um Mac antigo, som stereo de ótima qualidade e uma cama mezzanino, dessas com escadinha pra se chegar em cima. O problema era a cozinha. Ficava em outro cômodo, do outro lado do corredor do prédio. E dentro dela uma outra porta te levava ao chuveiro e pia. Em outra porta no corredor do prédio ficava o vaso sanitário. No início do ano Viena recebe toneladas de neve e um inverno pesado. O corredor dava para porta de saída e nao tinha aquecimento. A noite, com vontade de ir ao banheiro, tínhamos que descer da cama alta, vestir um mínimo de roupa e enfrentar o General Inverno. Fui várias vezes com Ela na alta madrugada “curtir” essa aventura.

Ele, no caso eu, estudante de Doutorado que detestava o que fazia. Cheio de sonhos e planos de abracar o Mundo, como sao os aquarianos, acabou conquistando Ela, seu antigo desejo. Pediu ajuda divina, colocou velas na Stephansdom, a magnífica catedral austríaca. Prometeu ao seu deus que tentaria fazê-la feliz de todas as formas. Parece que deu certo. Pelo menos até agora, passados pouco mais de seis anos.

 Foto: Pedro Bresson

Mas a chegada na Alemanha recebeu um golpe negativo logo nas primeiras horas. Uma brasileira, carioca, colega de trabalho que só conseguira o posto gracas a mim, jogou um balde de água fria. Morava no nr. 1 e seria nossa vizinha de porta. Achamos ótimo no início, mas depois mudamos de idéia. A mulher era um poco de pessimismo. TUDO, simplesmente TUDO estava ruim a sua volta. Reclamava o tempo todo. Se chovia elar queria o calor do Rio ali, na sua janela. Se era verao tinha saudades do inverno, dos casacos chiques e do flair europeu. Quando chegava a estacao fria voltava a reclamar do tempo gasto para se vestir, dos dias escuros pela manha e completamente negros já ás 5h da tarde. E no outono, minha estacao preferida, era o caos para ela. Nao era nem frio nem calor. Fim do verao e prenúncio do inverno. Uma espécie de purgatório para jovem senhora que vivia com um sinal de menos na testa.

“Ah, o apartamento é muito pequeno. O piso é de cerâmica e faz um frio desgracado. O aquecedor nao esquenta direito. Temos que sair do prédio pra lavar a roupa na lavanderia do edifício ao lado. O Straßenbahn (bonde) faz barulho e incomoda. Tem uns tipos esquisitos morando lá, alguns fumam e jogam bitucas no jardim. A área comercial ao redor tem de tudo, mas sinto falta de um correio mais próximo. Os restaurantes sao caros. Vocês nao vao dar conta de pagar o aluguel. A situacao aqui no instituto é bem diferente de Vienna.” E continuou desfilando todo seu arsenal negativo enquanto caminhávamos serelepes e inocentes rumo ao nosso proimeiro almoco na Telekon.

A comida desceu quadrada, claro. Comecei a pensar “onde foi que amarrei minha égua?!”. Tinha alugado o apê pela internet. Um amigo morava perto e disse ser ótima a localizacao. As fotos eram boas, o banheiro era dentro de casa com pia, vaso e chuveiro juntos, coisa rara na Europa. O piso era desses laminados, nao a cerâmica fria da casa de nossa “amiga” víbora de sarcófago de faraó, como dizia Nelson Rodrigues.

Nao era nada disso. Chegamos no apê novo e mobiliado com tudo perfeito e no lugar. Até a roupa de cama estava feita. Era como chegar num hotel. A cozinha era minúscula, mas quem se importava?! A localizacao era realmente perfeita. Chegávamos em 20 min a pé no centro da cidade. Metrô e bonde na porta. Lojas e restaurantes de todos os tipos num raio de três quarteiroes. Cinco supermercados nos serviam. Barbeiro, correio (que mudou para mais perto), loteria, lojas de roupa, choperias e o escambau. Tudo ao nosso alcance.

E a Frau Rouxinol (eu a chamava assim por que era metida a cantar árias e óperas nos finais de semana trincando nossas janelas e vasos com seus timbres agudos e insuportáveis) continuava só reclamando. Falava com ela que essa energia negativa só atraia coisas ruins. Ela dizia que nao acreditava nisso, só na ciência e no que pudesse ser provado por A + B. Nao deu outra. Teve o apartamento onde vivia com marido, outro chato de galocha apesar de gênio, arrombado em plena Viena, talvez a capital mais segura da Europa. Levaram tudo, menos o feijao no freezer. Quase virei pra ela na manha seguinte e disse: “Frau Rouxinol, A + B =... se fode”. Hahahaha.



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