Thursday, December 08, 2011

O dia que nunca termina

Beagá (54 felizardos ontem a noite)

Escrevi esse texto dia 26/11, um dia após chegar em terras tupiniquins, mas tinha esquecido de postar. Agora vai.

Viajar pra casa é uma epopéia de quase 24 horas. A casa, na verdade, é aqui na Alemanha, mas a origem é o Brasil. Entre o despertar às 5 da matina até deitar na antiga cama, após percorrer uns 15 mil kilometros cruzando meio continente europeu, um oceano e metade do Brasil, muita coisa acontece.

O taxista alemao, um senhor que mal conseguia colocar as pesadas malas na perua Mercedes, iniciou a série de relacionamentos fulgazes do dia. Ela já cochilava rumo ao aeroporto quando os primeiros claroes anunciavam a nova data.

Descemos no Terminal 1, letra B de Brasil, e empurramos o carrinho até o guichê (nao sei escrever de acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa, portanto, perdoem os hífens e acentos a mais, ou a menos). De longe, vi que o funcionário da companhia aérea nao era alemao. Poderia ser brasileiro, espanhol, português. Era gaúcho, tchê. Gente boa, fez vista grossa com um possível excesso de pesos. Após ouvir de onde viemos cobrou o favor em alguns paes de queijo, se e quando voltássemos. Disse ser o gaúcho louco. Fazia dupla com um paulista de Campinas. Estavam bem arrumados.

No Free Shop a caixa alema, a funcionária, nao a máquina registradora, disse nao saber o limite de garrafas para o Brasil. Meti três litros de Killepitch e uma vodka do bisao na mala, mais os xampus dEla e nos mandamos com atraso para o portao de embarque. Lá, o gaúcho cobrou mais um pedágio verbal em paes de queijo dizendo que se nao fosse por ele o aviao já teria saído. Sei.

Vôo vazio em aviao pequeno, de 2x2 lugares, servico decente, o silêncio habitual dos alemaes e a falacao característica dos latinos, espanhóis, portugueses, brazucas. Após furarmos a fina camada de nuvens que cobria a cidade, eis que o Astro Rei nos diz bom dia e boa viagem. Ela dormia a sono solto. Eu lia “Vinho e Guerra” com o objetivo de terminá-lo na viagem.

Já no belo aeroporto de Barajas, andamos em esteiras, descemos escadas rolantes, pegamos o trenzinho, subimos novamente, mais esteiras, e por fim chegamos ao U60 com destino ao Rio de Janeiro. No caminho, uma mulher com a bunda de fora seguia o mesmo caminho na nossa frente. Cena inimaginável em terras prussianas. Ela, de enxaqueca, pediu coca-cola. Comprei um bocadillo pra acompanhar e ali ficamos. O volume de passageiros era estranhamente pequeno.

No A340 de poltronas velhas que voltavam à posicao original sozinhas e sem telinha individual pra assistir filmes, nos acomodamos. Ela, já cochilante, se preparava para longa “noite”. Segui firme no objetivo de dar cabo ao livro, mas agora regado a um honesto Shiraz espanhol. A decolagem sempre me dá frio na espinha. Depois fico tranquilo.

Almocamos uma carne sem gosto com purê. O vinho salvava tudo. De repente “Tea, tee, chá” com sotaque madrilenho. Uma comédia. Tentei assistir “Super 8” no monitor estilo loja de conveniência instalado no centro do corredor. Som péssimo, toda hora alguém entrando na sua frente. Filme totalmente desnecessário. O trailer já é uma perda de tempo. Explosoes inimagináveis, personagens indestrutíveis, o menino bom ignorado pela bonitinha no comeco acaba salvando-a no final. Hollywood parece ter um “template” pra roteiros desse tipo. Mudam uma variável aqui outra ali, mas a essência é sempre a mesma. Vazia, rasa, nao passa mensagem nenhuma. Entretenimento de quinta. Dizem que é bom por que nao precisa pensar. Pensamento mais medíocre impossível. Voltei ao livro e pedi a garrafinha de numeral 3.

Num Galeao incrivelmente civilizado e organizado, comecamos a ter os primeiros choques do retorno. A mente “germânica” em contato com a zona brasileira. Reparo no piso do aeroporto, nas esteiras de qualidade inferior, nos carrinhos de bagagem idem. A altura que as pessoas falam salta aos olhos. Alemao cochicha, sussurra, pra nao incomodar os demais. Brasileiro toca pandeiro quando conversa. Peguei as malas enquanto Ela comprava Kit Kat no Free Shop. Passamos pela alfândega presenciando duas freiras espanholas perguntando em inglês perfeito onde era o Terminal 1. O funcionário da PF, em portunhol macarrônico, tentava responder. É assim que vao receber os turistas durante a Copa?!

No piso superior, após uma higiene básicao, dei uma de alemao e critiquei o pao de queijo da lanchonete carioca. Falei que era de Minas, pra ela nao me levar a mal, mas aquele nao tinha um bom aspecto. Comprei guaranás e salgadinhos pra matar a vontade inicial de sempre. Fiquei com remorso das palavras que saíram como flechas contra a massa tradicional mineira e resolvi amenizar. Pedi um pao de queijo com cafezinho. Pilao, bem tirado, preto feito a asa da graúna. A acucar, branquinha e refinada. Nao aquela mascavo, marrom e de difícil mistura vista nos Flughafen da Vida. Delícia. Relaxei na hora. Nao vou mais reclamar, prometi a mim mesmo. Devolvi os pratos elogiando e fomos fazer hora numa livraria.

A comparacao foi inevitável. Qualquer estacao de trem na Alemanha tem belas e avantajadas livrarias. A do Galeao era uma barraquinha de madeira mequetrefe com algumas das principais revistas nacionais e algumas dezenas de títulos. Pouquíssima coisa, um nada sobre o Brasil. Nem aqueles livros com fotos de carnaval, futebol e natureza havia pra comprar. Saí de maos abanando e impressionado com o tamanho da buzanfa da mulher-andróide na capa da Sexy. O que era aquilo?! A filha do Predador com a Rogéria?! Um monstro espacial.

Na sala de embarque, outro quiosque modesto daquela rede de livrarias que me falha o nome. Até melhor que a mequetrefe anterior, agora com revistas de turismo sobre a Borgonha, a Alemanha encantada dos Irmaos Grimm, Pelé S.A., Debora Secco, revista Piauí, um livro sobre o rei Salomao e Steve Jobs pra tudo que é lado. Aliás, o Brasil e os brasileiros devem tê-lo adotado como guru-mor após tanta idolatria pelos produtos Apple e cultura criada por ele. Brasileiro quer ser cópia fiel de americano, portanto, tudo que lá é criado e consumido aqui acontece o mesmo. A qualidade nao importa muito, só a origem ianque.

No aviao vazio, com 30% da capacidade, voamos pra Confins. Ela, pra variar, cochilava nas alturas. Eu já havia terminado o livro e me preparava pra folhear a revista de bordo da Gol com o Rappa na capa. Um texto do Torero sobre Santos me chamou a atencao. Com Jorge Luis Borges, o famoso escritor argentino dos anos 40, 50 e 60, e o homônimo artilheiro do Brasileiro pelo time local flanando pela cidade-peixe. Uma maneira interessante de escrever um guia turístico.

Pegamos as malas, achamos um taxi grande e rumamos pra casa, finalmente. O relógio mostrava 23:55 quando entramos pela Linha Verde com brisa no rosto e luz amarela na pele. Os carros menores e nao tao velozes, a ótima estrada até chegar no centro, toda iluminada, o senhor dirigindo tranquilo seu ganha pao, placas tantas vezes lidas. Vespasiano, Clínica Serra Verde, Pedro Leopoldo, Cristiano Machado, Antônio Carlos.

O lusco-fusco da noite, um Uno passando com dois rapazes, vidros baixos, som alto, vento da liberdade. Tantas foram as vezes em que fiz o mesmo. Pensei no Guidao e fiz um cálculo mental de quantas vezes teria ido e vindo de Beagá pra Lagoa e vice-versa. Nas férias, nos finais de semana, feriados. Mais de mil vezes, fácil. De Belina, Escort, Parati, Uno, Vectra, Gol, Corsa, Palio, Siena.

Na cidade, taxistas em pé tomando café na esquina. Livres. Sinais sincronizados pela Praca da Estacao. O Othon com poucas luzes acesas e uma recepcao sombria. A Bahia que seguia, desviada pela Afonso Pena. Parque Municipal, Automóvel Clube, Prefeitura. Um táxi fura o sinal. Já passava da meia noite. Algo impensável na Alemanha. Esperam pelo verde mesmo que sozinhos às 4h da matina numa via secundária e chuvosa. Foram criados pra seguir regras e procedimentos, nao para desrespeitá-los. Ordem vs. Desordem. Buracos mil, a sensacao de estar fazendo um rally urbano gracas aos desníveis nas ruas e avenidas mal asfaltadas e acabadas. Na Alemanha, tudo é feito pra durar 50 anos. No mínimo.

A favela beirando o bairro de alto luxo deu o toque final. Descarregamos as malas, Ela sumiu lá pra dentro com os pais enquanto segui pra casa no mesmo táxi. A noite de quinta continuava, invadindo a de sexta. Abri a porta e Janemamae me esperava. Conversamos, abracamos, beijamos. Tomei um banho. Tinha esquecido qual torneira era a quente. Tudo ali, igualzinho. As toalhas, a bagunca do banheiro – que melhorou muito, diga-se – a mesa posta com rosca, biscoito de queijo, um canastra reluzindo, biscoito maria e água e sal. Requeijao. Mas faltava alguma coisa. Aquele cara no sofá, quietinho. Nao tava mais ali. E já era a segunda vez que chego e nao o vejo. Um silêncio ensurdecedor no ar.

Antes de dormir, um “en passant” de Janemamae comecando a me “passar a limpo”. Me deitei às duas e pouco, feliz. Naquela cama de sempre, que foi minha e dele. Nao estava no campo visual, mas no pensamento está sempre presente.

O Brasil é bom. O Brasil é ruim. O Brasil é assim.

No comments: