Thursday, March 01, 2012

Saarlouis e a adega de 800 garrafas

Düsseldorf (ah, os clientes...)

Crônica originalmente escrita por este que vos bloga em Saarbrücken no dia 23 de Fevereiro deste ano.

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Saarbrücken (mais dois amigos pra colecao)

Depois de um certo tempo morando na Alemanha comecamos a conhecer melhor os hábitos e diferencas culturais dos germânicos. Sao frios e distantes no início. Empurram a mao que apertam na  direcao contrária após os primeiros encontroos. Nunca falam da Vida privada em ambiente de trabalho, mas sao fofoqueiros profissionais em particular. Colegas de trabalho se tratam por Sie, versao formal igual a Senhor seguida do nome de família, por anos a fio. Nao importa o nível de intimidade. Até que um belo dia, 20 anos depois, um olha pra cara do outro e pergunta: "Posso te chamar de Walter?! Claro. Mas só se eu te chamar agora de Stefan!" Sem sacanagem, presenciei essa cena e rachei de rir na frente dos dois.

Saí hoje com um cliente e sua esposa. Ela deveria ter vindo, mas me enganbelou bonito. Disse que tinha um evento em Hamburg, nao ocorrido, e me deu um bolo. OK, kein Problem! Fomos ao restaurante preferido de Herr B. em Saarlouis, cidade franco-prussiana na regiao de Saarland. Bem próximo a Luxemburgo e colado na fronteira francesa. Por fora a casinha nao tinha nada demais, mas por dentro uma ótima comida, vinhos de respeito e um atendimento de primeira. Assim me relatou Herr B., observado por sua senhora, Frau H., que balancava a cabeca afirmativamente a cada três frases do marido.

Se conheceram no coral da igreja. Achei que tivesse sido no pré-primário ou maternal. Sao desses casais que já nasceram juntos. Parecem inseparáveis, unha e carne. Se conhecem como a palma da mao e um olhar basta pra dizer dois parágrafos. Nasceram aqui perto mesmo em cidadezinhas satélite. Dois filhos já crescidos e devidamente despachados do doce lar. “O silêncio em casa às vezes fica alto demais”, me conta Herr B

Por isso, saem quase toda quinta-feira pra jantar. Ou ir a alguma ópera, teatro, ballet ou mesmo cinema. O interesse de ambos pelas Artes surgiu exatamente nos tempos do coral. Scala de Milao, festival Richard Wagner em Bayreuth, Wiener Staatsoper em Viena e tantas outras salas de espetáculo famosas já acomodaram em suas confortáveis poltronas de veludo o casal B e H (leia-se Bê e Rá) e suas rechonchudas buzanfas. E agora, segundo discurso empolgado e ansioso de Herr B., os assentos do Teatro la Fenice em Veneza terao o prazer de ser esmagados recebendo-os. Compraram os ingressos ontem e hoje já chegaram pelo correio. Ficaram espantados com a honestidade e rapidez dos italianos, apesar da crise do Euro, desemprego, Máfia, lixo atômico, etc..

Descambamos a falar de vinhos após Herr B. fazer questao de pedir um branco já conhecido seu. Deixei-o a vontade, claro. Anste mesmo de olhar a carta já havia ordenado um campari com suco de limao para si e o mesmo suco, sem o campari, pra Frau H. Ela iria dirigir, me disse ele gargalhante e bonachao. Aceitei o Cremant sugerido pela garconente, vulgo Kellnerin em alemao. Um vinho do Val del Loire aterrisou em nossa mesa e logo em seguida no copo de Herr B.. Provou-o, como se precisasse, e aprovou. Realmente, uma delícia.

Ao pedir minha entrada, um foie gras, recomendou-me um vinho de sobremesa. “Um Eiswein?!” perguntei-lhe?! “Você conhece?!”. Respondi que sim invocando a degustacao no Markus Molitor. Nao entrei em detalhes caxemirescos, mas ele aprovou e disse conhecer também.

Falamos mais de Vienna, dos cafés, óperas e música clássica. E de Berlin e da vez em que fiz uma surpresa para minha mae e tia levando-as a um concerto na Berliner Philarmonie, uma das casas mais famosas do gênero. E do Japao, China e Hong Kong, visitados pelo casal saarlouisiano, mas nao por mim. Ainda. New York, Luxemburgo e suas bebidas e combustível baratos. Das várias regioes vinícolas ao nosso redor. Do vale do Ahr, pertinho de Düsseldorf, onde encontra-se um excelente tinto.

Aí contei do meu amigo Weinfreak, ou maluco por vinhos em bom português. Nao citarei seu nome em vao por que estamos em negociacoes. Ele pode ser o mais novo colunista do Truta... a ver. Discorrerá sobre assuntos variados como fabricacao de fósforos, rock antes de Elvis, vinhos chilenos envelhecidos e em como dar papinha sem o neném chorar. Mas isso é assunto para vários outros carnavais.

Falando nisso, me lembrem de escrever a estória do melhor Carnaval da minha Vida. Em 2003. Comecou em Tiradentes num sábado a tarde chuvoso e terminou em Cabo Frio com a macacada reunida, nao sem antes passar pela Sapucaí e desfilar pela Beija-Flor.

E me lembrem também da Cracóvia, Novembro de 2004. Era pra dormir no hotel, mas me virei de outro jeito. Tem até video comprovando o fato. Ou loucura inconsequente mesmo.

“Deve ter umas 200 garrafas”, contei todo garboso sobre a adega do meu amigo, como se fosse minha. Um sorriso estampou-se imediatamente no rosto de Herr B. Parecia o gato da Alice no País das Maravilhas  colorido na minha frente. Só nao voava. “Tenho também minha própria adega, mas com 800 garrafas”. Ganhei o cara, pensei. Contou-me suas preferências pelos italianos do Vêneto e Piemonte. Barolos e Barbarescos. Seu amor pelos franceses de Bordeaux e Val del Loire. E sua idolatria pelos vinhos da Toscana, em especial o Sassicaia.

De trabalho mesmo falamos muito pouco. Reclamou da nossa última proposta. Os precos estao caros. Novidade. Vender barato qualquer um vende. Contou-me que a producao vai aumentar com a entrada de novos pedidos. E que o embargo americano ao Iran está fudendo meio Mundo, eles em particular.

Meu Entrecôte tava uma maravilha acompanhado de legumes no vapor e “hausgemacht” fritas. Herr B. me contou ser esse um dos motivos do restaurante figurar entre seus preferidos. “Já nao se encontra mais batatas fritas caseiras. Todo mundo manda comprar industrializado”, disse entre uma garfada e outra de satisfacao.

Pulamos a sobremesa e o espresso veio com leite quente separado com uma espuma perfeita em cima. E um bolo mármore, que tem o mesmo nome aqui na Alemanha. Me lembrei de Janemamae e Titas fazendo seus bolos idênticos no nome, mas maravilhosos. Paguei enquanto bebiam o segundo espresso, esse por conta da casa.

Agradeceram, falaram que da próxima vez minha mulher tem que vir, e que vamos combinar uma próxima vez em breve. Aliás, disseram isso sobre Ela umas três vezes.

Antes de sair, ganhei duas dicas de lugares interessantes aqui perto para visitar. “Come-se bem e tem ótimos vinhos. Além de serem cidades pitorescas e românticas”. Só nao falo os nomes por que quero conferir eu mesmo. Mas prometo escrever os diários de viagem. Ficam no médio Reno. Mais nao digo.

Ganhei mais dois amigos!

1 comment:

Dimas Souza said...

adorei o post Dom Pedro!