Saturday, November 19, 2011

Clique Eterno

Düsseldorf (Ela é uma gênia)

Raramente Ela escreve. Tem um talento natural, mas insiste em nos deixar na vontade, com água na boca. Solta pitadas, como a Aula de Piano, depois some. Desaparece. Mas quando aparece, batemos palmas.

Hoje, deu o ar da graca, e que graca, novamente. O texto/poesia abaixo é o resultado da exposicao Frontline, em cartaz no NRW Forum, em Düsseldorf, até 8 de Janeiro de 2012.

Campo de Concentracao, Bergen Belsen (1945)

"já nao lembro o nome do fotógrafo,
mas nunca me esquecerei daquele momento que ele captou.

eram montes.
montes sobre montes.
e mais montes.

pele sobre pele.
sapato com sapato.
roupa, cabeca, dentes.
olhos fechados.
terror.

eram bichos.
eram nada.
corpo vazio.
para onde foram as almas?

eram silencio.
eram incredulidade.
monte sobre monte
de crueldade
e falta de esperanca.

cortaram os cabelos.
mataram a dignidade.
deixaram ossos.
peles e ossos,
em montes e montes
de nada.

mas eu vi seu rosto.
em meio áquele nada,
somente o seu.

olhos e boca
preto e branco.
estavam abertos
os dois
abertos.

nunca vou me esquecer.
choque da maldade
impregnada com cheiro do cinza.

seus olhos me olharam
pediram compaixao
o que é isso?
já nao sei
pediram para nao esquecer.

e como esquecer?
olhos aterrorizados
em meio aos montes
e montes
e montes
de corpos vazios
de nada em corpos
que a frieza congelou
e um pequeno clique conseguiu eternizar."

O fotógrafo?! George Rodger, um dos fundadores da Magnum Photos, a mais renomada agência de fotógrafos do Mundo.

Monday, November 14, 2011

Há um ano atrás...

Düsseldorf (... saudades...)

Há exatos 365 dias atrás eu estava em Belo Horizonte. Vivia talvez a experiência mais forte da minha Vida. E ao lado do meu irmao, Rato.

Juntos cuidamos para que nosso Pai partisse com o máximo de conforto e o mínimo de sofrimento. Sua alma se libertou do cárcere chamado corpo e flutuou. Na verdade, sublimou. Livrou-se da carcaca que por 69 longos anos a acolheu. Subiu leve e solta. Pronta pra outra missao. Dessa vez mais nobre, talvez.

Por aqui, o que havia de ser feito tinha sido. Cinco filhos criados, esposa fiel e companheira leal, exercício da profissao de engenheiro honrada com competência, honestidade e solidariedade com os colegas que acabaram virando amigos. Na família nao era diferente. O do meio era querido pra cima e pra baixo.

Nao era de muitos amigos. A timidez falava mais alto. Mas a família e a Vida caseira mais ainda. Gostava de ver novelas com o do meio, engracado isso, tomar seu whisky com castanhas na sexta assistindo a um bom filme. Consertava as "coisas" da casa de Lagoa Santa. Tratava todos os funcionários com respeito e justica. E muita solidariedade. Ajudava quando podia. E se nao tinha jeito, arrumava um.

Nao teve Pai, aliás, teve sim mas o perdeu com apenas 6 aninhos. Viu no sogro, meu xará, um substituto a altura. Melhor, impossível.

Falava alemao. Ganhou passagens da Lufthansa num sorteio da empresa. Sempre soube que era sortudo. Morou 3 meses em Rothemburg ob der Tauber, no norte da Bavária. Saia de casa às 5h da matina quando queria fotografar a cidade. A horda de japoneses nao permitia chapas em horários comerciais.

Dependurava os queijos Polenguinho no telhado, pela janela do sótao, e quando a fome apertava na alta madrugada ali estavam eles. Fresquinhos e prontos pra escorregar até o estômago.

Dirigia bem, apesar das várias encostadinhas e arranhoes. Já arrancou um incauto condutor de Kombi ao sofrer uma batida traseira em sua Belina zero. Nos levava até Joaíma numa epopéia que durava entre 12 e 15 horas, dependendo da estrada e do número de paradas. Uma vez, o do meio caiu pra trás num almoco em Governador Valadares. Um corre-corre danado, mas nao foi nada. Só susto.

Nasceu em Campo Belo, filho de caixeiro viajante. De nome Tonico Sapeca. Já fomos a Candeias, logo ao lado, na fazenda da Dona Elza. Era Elza mesmo?! Íamos visitar a Marli, amiga de Janemamae. Me lembro da camionete C10 do Adelino. Era bom andar na carroceria, sentir o vento no rosto.

Ele nunca teve uma camionete, mas gostava dos Fords. Depois dos Fiats. E já teve Fuscas, como quase todo mundo. Aprendeu a dirigir num deles. Andou muito na garupa de Lambrettas no tempo da Turma da Barroca. Era chamado de Professor, pois dava aula de Latim e Matemática. Jogava no gol do Bangu, o time do bairro.

Nunca foi bom de bola, pelo menos nunca fez pose, mas era louco pelo Galo. Alucinado. Desses que nao perdia um jogo, seja pelo rádio ou televisao. Ficava puto na hora, mas depois tava tudo bem. Aguentava a zoacao das marias, mas soltava das suas. Sempre com um humor sutil. Rachava de rir ao ler a tirinha do AFO. Sempre me mostrava, às gargalhadas.

Fazia um cafezinho maravilhoso quase toda tarde, lá pelas 5 horas. Pegava um copo lagoinha, enchia pela metade, cortava uma fatia de Canastra e ia pra janela. Ali, ficava olhando pro nada. Apreciando a vista que conhecia como a palma da mao. Talvez observasse o movimento, apenas. Ou olhasse para o céu, procurando alguém.

Nao sabia cozinhar, mas comia que era uma beleza. Janemamae às vezes o advertia, mas levemente. Ele sempre se defendia dizendo que "mas tá bom demais!" Seu prato preferido?! Macarrao à bolonhesa. Foi ao Bolao no Santa Teresa uma última vez. Comeu feito um lobo afonso, como se referia a quem era glutao. Tinha uma barriguinha saliente, charmosa. Acumulando as latinhas de Skol que bebia aos sábados após dar uma geral na casa de Lagoa Santa. Sexta, whisky. Sábado, cerveja. E nao mais. Tinha hábitos de um japonês.

Às vezes passava da conta, mas era muito engracado. Ficava leve e solto, como todo bêbado. Contava piadas, ria alto, abracava todo mundo. E no final, caia no sono dos justos. Mais do que merecido.

Me ensinou a dirigir. Explicou os mistérios do outro sexo e como fazer pra ter sucesso nessa área. Orientou na escolha da profissao. Ouviu meus problemas e ajudou-me a resolvê-los. Nunca os solucionou pra mim. Até andar de bicicleta foi com ele. No apartamento da Santa Rita Durao. Me lembro como se fosse hoje. Achei que ele ainda tava segurando, mas eu já andava sozinho naquela bicicletinha verde.

Conversava de tudo. Era ponderado. Sabia ouvir. Uma de suas maiores qualidades, senao a maior. Nao entrava em discussao besta. Fingia-se de surdo, mesmo quando comecou a ouvir menos, pra escutar apenas o que lhe interessasse. Isso se chama sabedoria.

De vez em quando, parecia que nao estava na Terra. Era como se tivesse sublimado. A alma pegara um elevador e tava dando umas bandas lá em cima. De repente ouvia-se um "hein". Era a senha da alma retornando. Continuava de onde havia parado.

Apanhei muito dele, merecidamente em 95% das vezes. Os outros 5% coloco na conta das vezes em que nao fui descoberto. Na verdade, acho que merecia mais. Apesar disso, foi o suficiente. Aprendi a licao. As licoes. Continuo aprendendo, mas agora sem ele pra orientar, ponderar, ajudar, conversar, ouvir, alimentar, me fazer sonhar.

Tentei ficar triste umas vinte vezes hoje, mas nao consegui. Ao ler tudo isso, sinto que é impossível. A única coisa que fiz foi assistir a uma missa, em alemao, e agradecer pela sorte única de ter sido seu filho. Precisa mais?!

Guidao, eu te amo!

ATUALIZANDO: Informacoes futebolíticas sobre o passado do Guidao chegaram agora através do Rato, emissário oficial da FIFA. Segundo ele, num fôlego só, "Papai não jogava no gol e sim na zaga, era zagueiro de recurso, orientado pelo gênio Cambão, saia jogando de cabeça erguida e soltava para o meia fazer a ligação com o ataque, em bola alçada na area nunca cabeceava para o meio da área, espanava para a lateral do campo para que não houvesse rebote, fez alguns gols de cabeça em jogadas de corner e ja fez o gol que pelé nunca chegou a fazer, emendando do meio campo e encobrindo o goleiro desavisado!!"

Pedaco de Papel

Düsseldort (Stuttgart é bacana demais!)

Uma idéia aparentemente simples, contar a estória de uma nota de dinheiro, virou sucesso no Mundo todo. A existência de uma nota, desde sua impressao até o fim da Vida útil, é contada pelo jovem cineasta mineiro Cesar Raphael.

O curtao foi lancado agora na web e vai virar filme em Hollywood. A sacada do dólar nas ruas e maos brasileiras, a ausência de diálogo e a sequência cronológica simples de entender conferem ao curta um caráter universal podendo ser visto por todos.


Tá passando nas telonas de Beagá. Mas quem quiser preferir assistir aqui no Truta, fique à vontade.


Wednesday, November 09, 2011

Radio Truta - Neil Young

Düsseldorf (home again)

Impossível nao pensar nele, Guidao. My Old Man.



Old man look at my life,
I'm a lot like you were.
Old man look at my life,
I'm a lot like you were.

Old man look at my life,
Twenty four
and there's so much more
Live alone in a paradise
That makes me think of two.

Love lost, such a cost,
Give me things
that don't get lost.
Like a coin that won't get tossed
Rolling home to you.

Old man take a look at my life
I'm a lot like you
I need someone to love me
the whole day through
Ah, one look in my eyes
and you can tell that's true.

Lullabies, look in your eyes,
Run around the same old town.
Doesn't mean that much to me
To mean that much to you.

I've been first and last
Look at how the time goes past.
But I'm all alone at last.
Rolling home to you.

Old man take a look at my life
I'm a lot like you
I need someone to love me
the whole day through
Ah, one look in my eyes
and you can tell that's true.

Old man look at my life,
I'm a lot like you were.
Old man look at my life,
I'm a lot like you were.

Smokin Joe Frazier, 67

Saarbrücken (mais um que se vai...)

Já chorei copiosamente aqui pelas ruas de Saarbrücken após ouvir a trágica notícia. Me embebedei de Bockbier, feita apenas nessa época do ano entre o comeco de novembro e o Natal, tentando esquecer a notícia. Na va esperanca de ter me enganado no alemao ao ouvir a rádio hoje a tarde na Autobahn. Por coincidência, treinei ontem após 2 meses sem por o pé no boxing club. Ainda tenho o abdômen dolorido.

Minha mae assistia junto com o Guidao a uma das lutas do século: Ali vs. Frazier. A noite de 28 de Janeiro de 1974 era calma e agradável em Belo Horizonte. Ao sentir as primeiras contracoes, Janemamae nao teve dúvidas. Correram pra maternidade e este que vos bloga nasceu no dia seguinte, o 29. O resultado da luta naquele momento pouco importava.

Joe já havia ganho a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1964 em Tóquio. Tornou-se profissional em 65 e foi derrubando adversários do porte de Oscar Bonavena, Doug Jones, o canadense George Chuvalo, que também perdera para Ali, Buster Mathis e Jerry Quarry, entre outros. No início de 1970 Smokin enfrentou Joe Ellis no Madison Square Garden, palco de outras memoráveis lutas, e conquistou o cinturao dos pesos pesados ocupando o lugar deixado por Ali ao ser punido com a retirada do cinturao por ter se recusado a alistar no exército americano sendo contra a guerra no Vietnam.

A "Luta do Século", a primeira entre Frazier e Ali, aconteceu em Marco de 71, de novo no Garden, e coroaria o verdadeiro campeao, já que Ali renunciara sem derrotas (31-0) e Frazier havia sido campeao sem ter lutado com Muhammad. Com audiência mundial garantida e a presenca in loco de estrelas hollywoodianas do porte de Frank Sinatra (dando uma de fotógrafo da Life), Diana Ross, Dustin Hoffman e Burt Lancaster. Frazier tinha 27 anos, dois a menos que Ali, e vinha embalado na carreira. Ali havia parado por três anos, embora mantivesse os treinamentos, nao era a mesma coisa do que se tivesse seguido lutando profissionalmente. Frazier perdeu os primeiros rounds, mas ganhou na resistência e persistência, além de ter derrubado Ali no 15° e último round. Ambos foram parar no hospital por vários dias depois da batalha. Algum pugilista aguentaria essa carnificina hoje em dia?! Duvido muito.



Mas havia um George no meio do caminho. Na Jamaica, no início de 73, os invictos Frazier e Foreman lutaram pelo título mundial dos pesados. George estraçalhou o entao campeao derrubando-o seis vezes até o juiz interromper o combate.

Ali vs. Frazier II foi a luta que antecedeu ao meu nascimento. De novo, no palco de sempre, o Garden acolheu os gigantes para uma repeticao da "Luta do Século". O auge da carreira dos dois já havia passado, mas Ali tinha sede por vinganca. Quem ganhasse teria o direito de desafiar o entao imbatível Foreman. O pau quebrou durante uma entrevista antes da luta quando os dois pugilistas assistiam a primeira luta. Ali chamou Frazier de ignorante. Ele se levantou e partiu pra cima do provocador. A turma do deixa disso entrou, mas Ali pegou o pescoco de Joe e o forcou a sentar. O couro cantou a partir de entao.

Durante a luta, Ali dominou no início. Quando Frazier tentava encurtar a distância, Muhammad apelava para o clinch. O juiz o advertira dezenas de vezes, mas nunca o penalizara com a perda de pontos. No final, a vitória unânime de Ali foi aclamada, mas ainda assim contestada por alguns. A rivalidade entre os dois estava mais do que escancarada. Postei o video dessa luta aqui. Segue abaixo de novo para ilustrar o post.



Thrilla in Manilla
Frazier abateu novamente Jerry Quarry e Jimmy Ellis estando apto mais uma vez a disputar o cinturao. Que dessa vez era de Ali após vencer Foreman no histórico confronto no Zaire conhecido como "Rumble in the Jungle".

Para Ali, Frazier era o gorila em Manilla. Fazia de tudo para provocà-lo. Jogava pra torcida. Às vezes dava certo, em outras nao. Numa das maiores lutas do século XX, num calor insuportável com ambos os lutadores nao admitindo perder, as provocacoes pré-luta de Ali deram certo. No round 14 Joe estava quase cego e sangrando pela boca. O juiz resolveu interromper o combate no seguinte dizendo que Frazier nao tinha mais condicoes já que temia pelo pior. Muhammad disse depois da luta que esteve perto da morte por exaustao. E que Frazier era, junto dele, o maior lutador de todos os tempos. E agradeceu por nao ter que lutar novamente com outros "Fraziers".

Em 76 Joe tentou uma revanche contra Foreman. Nao adiantou. George era mais novo e bem preparado. Aguardou o momento certo até encaixar um gancho perfeito levanto seu oponente ao nocaute.

© George Kalinsky



Smokin' Joe Frazier pertenceu a uma época no boxe onde os lutadores eram mais do que apenas pugilistas. Eram verdadeiros guerreiros, gladiadores romanos alegrando o circo do final dos anos 70. Junto com Muhammad Ali e George Foreman formavam o trio de notáveis se revezando no olímpo da categoria. Desafiando e sendo desafiado. Provocando, sendo provocado e humilhado. Treinamentos solitários, dieta controlada, mídia, bebidas, drogas, jogatina, empresários inescrupulosos, lucros estrondosos, ascensao e queda.

O documentário “Joe Frazier: When the Smoke Clears”, que eu ainda nao assisti, mostra bem o que foi a Vida desse esportista.

Smokin Joe Frazier sucumbiu ontem, 7 de Novembro de 2011, na Filadélfia vitimado por um câncer de fígado.

Lá se vai mais um ídolo... e o Mundo só piora. Descanse em Paz grande guerreiro.

Fonte: Wikipedia, sempre ela.