Friday, April 08, 2011

O Quinto Elemento

Düsseldorf (vai em Paz, amigo)

Coincidências do destino?! Puro acaso?! Falta de sorte ou de cuidado?! Fato é que nunca consegui ter um cachorro que morresse de velho. Como nao acredito em coincidências nem no destino, sou um cara de sorte e os caes lá de casa sempre foram tratados a pao de ló, prefiro pensar no Sr. Acaso como explicacao para mais um que se vai. O quinto elemento.

Primeiro foi a Tiane, mezzo dálmata mezzo Akita, aquela raca perigosa japonesa. Era pequenina, branca com as pintinhas características dos dálmatas, mas com algumas pernas pretas. Parecia estar usando uma calca negra colada ao corpo. Chegou de mansinho, no colo do Rato, como experiência. Ficou quase dez anos entre tantas idas e vindas da Pampulha pra Lagoa Santa até que fixou residência definitivamente na última por gostar da casa e do clima ameno da regiao. Fazia bem ao seu pelo e humor. Ia nos meus pés e do vovô Pedro, no banco da frente na Belina apertada do Guidao. A de número 3, cor champagne. Vovô ás vezes reclamava, mas no fundo gostava da cadelinha. Era espertíssima. Vivia cavando buracos nos taludes de grama. Deveria ser engenheira do metrô de SP tamanhos foram os túneis cavados. Vivia sozinha e feliz nos seus 5.350 metros quadrados até que... resolveu pular a cerca, literalmente. Conheceu Peter, um Weimaraner morador da rua C na casa do Fernando Lana. Ao vê-lo nao teve dúvidas. Forneceu sem dó ali na cerca de arame mesmo para delirio próprio e de seus donos.

A ninhada foi de quatro cachorrinhos, todos pretos. Ficamos com dois e demos a outra metade para Maria Lia, uma veterinária da cidade. Luan era o mais forte e sapeca dos pequenos. Parecia sorrir o tempo todo. Uli era uma bela cadelinha que fico pra fazer companhia ao irmao. Por obra do acaso, Uli foi deixada na clínica da Maria para exames. No dia seguinte recemos a notícia de que havia fugido do canil. Indignados, minha irma Helena, eu, Lucas, Marcos e Daniel, rotulamos Maria Lia de ladra profissional de cadelas e a chamamos várias vezes de filha da puta. Luan ficou e fez um par perfeito com a mae Tiane. Eram unha e carne. O filhote cresceu bem mais que a mae, mas esta nunca perdeu a autoridade. Ele era agressivo às vezes e metia medo em todos. Galopava garbosamente pelo gramado, saltava taludes com maestria, ajudava Tiane a cavar túneis ainda mais profundos, caçava gambás, aves e qualquer outro animal que ousasse atravessar seu campo de visao. A mistura de três raças, metade Dálmata com Akita e o resto Weimaraner o transformara num espécime de rara beleza. Era tao companheiro da mae que numa ocasiao, provocados pelas galinhas do vizinho cujo galinheiro fazia divisa com os fundos do nosso sítio, escalaram a cerca de arame caindo lá dentro prontos pra iniciar o massacre. O único galo foi polpado. Duas galinhas pularam para o nosso terreno e foram resgatadas há tempo. O telefonema do caseiro no dia seguinte sentenciou: "Dotô Guido, foram 18 galinhas garnizé, de raça. E o Sinhô vai ter que pagar." Nao teve jeito mesmo. Prejuízo contabilizado, cerca de seguranca entre o galinheiro e nossa propriedade construída, telas proibindo a escalada dos caes assassinos instaladas do nosso lado e a paz reinou novamente. Mas, por pouco tempo. Meses depois, talvez provocados pelo galo Highlander ou simplesmente atiçados por seus instintos caçadores, Tiane e Luan partiram pra mais uma aventura. Dessa vez nao escalaram a cerca. Fizeram um buraco sob a base de concreto já saindo dentro do terreno inimigo. Como ladroes assantando bancos escavando túneis até debaixo do cofre ou escapando de prisoes. Dessa vez o galo sobrou. Resultado: 1 galo e outras 21 galinhas de raça. Mas dessa vez Guidao argumentou que a provocaçao foi demais. Que as galinhas ficavam saracoteando pelo terreno, olhando maliciosamente, dando tchauzinho pra Tiane, jogando beijos pro Luan. E que o galo ficava pulando e ciscando, fechando a guarda com as asas em punho chamando pra briga. Claro, protegidos do inimigo. Acabou ficando por isso mesmo e o dono resolveu desativar o galinheiro, ou melhor, o Auschwitz galináceo. A implacável leishmaniose pegou os dois, como se fosse uma vingança tardia do mundo das aves. Foram para o sacrifício já que a doença nao tinha cura. Emagreceram muito antes de partir, mas nao teve jeito.

Luna, uma Dálmata puro sangue, surgiu escorregando as patinhas no piso sintecado da rua da Bahia logo em seguida. Leocádio presenteou Helena para que ela esquecesse, ou pelo menos amenizasse o sentimento de perda em dose dupla. Foi cedo pra Lagoa, nao cavou túneis nem matou galinhas, mas adorava a piscina. Quando via alguém dentro ela pulava sozinha, sem ser convidada. Nao soltava muitos pelos e era exímia nadadora. Fazia 100 mts craw em 45:34s no cronômetro. Se nascesse em Waikiki seria surfista do WCT. Fosse em Brisbane seria mergulhadora guia na Grande Barreira de Corais. E se nascesse em Gênova no final do século XV seria a cadela de estimacao de Colombo e teria vindo descobrir a América. Mas a famigerada leishmaniose atacou novamente. Sem choro nem vela, já muito debilitada e magra, Luna caminhou para o cadafalso já sabendo o que lhe aguardava. Deu o último ganido antes do alçapao se abri e partiu.

Angus Young inaugurou a série Dog 'n' Roll lá em casa. Trazido de uma fazenda sendo desmamado e separado brutalmente se seus irmaos, adaptou-se facilmente ao modus operandi do sítio. O Rato queria um labrador e assim foi. De cor marrom chocolate, robusto e pesado, mas ao mesmo tempo rápido e dócil, conquistava a todos com facilidade. Nao metia tanto medo quanto o Luan, mas fazia às vezes de cao de guarda. Conviveu harmoniosamente com a Luna sem importuná-la sexualmente. Há quem desconfiasse de sua sexualidade, mas nunca deu muita bola para seus críticos. Fazia tipo de intelectual com seu olhar cabisbaixo e amigo. Se pusesse um óculos e erguesse as patas dianteiras todos pensariam que uma aula estaria para começar. Como era bom ficar sentado passando os pés em sua barriga peluda e macia. Ele adorava. Mas, adivinhem quem veio buscá-lo?! Ainda na era onde as vacinas nao existiam, ou nosso veterinário Camilo nao as possuia, Dona Leishmaniose passou pra levar mais um. Como num ritual que se repetia de tempos em tempos dessa vez optamos pela guilhotina. Mais rápido e indolor com menos tempo para firulas sentimentais. Na praca principal de Lagoa Santa, após convocacao em massa pelo prefeito Genesco e seus asseclas, Angus foi sacrificado numa nublada e fria tarde de sábado. Enterrado nos fundos do lote, foi fazer companhia aos outros três.

Mas o Led nao. Vacinado contra a fatídica doença ele havia quebrado a escrita. Estava livre pra viver 12, 15, quem sabe 17 anos na melhor das hipóteses. Mas Leonardo Zeppelin de Souza e Silva, seu nome de batismo, sucumbiu hoje às 10: 23 horas de Brasília na Rua D 1730 mantendo uma sina inexplicável até hoje. Apareceu com uns caroços no corpo pouco mais de um mês atrás. Camilo o operou sem nem mesmo saber se era necessário. Descobriu-se ser uma espécie de micose rara e contagiosa só encontrada até hoje nos monges manetas do Nepal. As feridas voltaram, sangue esguichando de seu moribundo corpo, dores insuportáveis o acometeram, fraqueza nas juntas e nos membros, depressao. Havia a possibilidade de se tentar um tratamento, mas sem garantia de sucesso. As condiçoes clínicas dele nao permitiram. O melhor a ser feito, racionalmente falando, era sacrificá-lo. Poderíamos tê-lo mandando para Houston visando um tratamento de alto nível com as melhores técnicas da medicina canina disponíveis, equipamentos de última geracao e drogas reçém desenvolvidas ainda em fase de testes. Mas a embaixada americana na rua México no centro do Rio negou o visto dizendo ser doença contagiosa. Era a última esperança.

Led Zeppelin era um pastor alemao tradicional. Foi comprado por R$ 150 nas maos do Zé Luis, pai de Quinho. Fui pessoalmente entregar o dinheiro e buscá-lo. Era uma bolinha de pelo amarelado e preto. Ficou algumas semanas na rua da Bahia, na área de serviço que virou canil improvisado. Corria pelo sinteco escorregando e patinando com humor. O consumo de leite se elevou, os espaços diminuiram e chegou a hora de levá-lo pra Lagoa Santa. Lá chegando tomou conta facilmente do ambiente. Aguinaldo, o caseiro, era seu par constante. Amigos inseparáveis, o que mais o aproveitou. Rápido e rasteiro, tinha movimentos frios e calculados como um lobo. Nao fazia muito esforço pra correr nem saltar. Comia de tudo, fazia charme pra ganhar carinho, latia com força, mas abaixava as orelhas imediatamente após reconhecer os donos. Deitava no chao pedindo carinho no pescoço, no peito e na barriga. Detestava a piscina, mas tomava banho sem dramas. Tinha seu canto com água raçao, nao haviam galinhas provocantes do outro lado e achava uma imbecilidade ficar perdendo tempo cavando buracos sem fim. Nunca teve curiosidade de conhecer o Japao, ao contrário da Tiane. Leu os clássicos ainda na adolescência: Dickens, Joyce, Proust, Sthendal, Tólstoi, Hemingway, Goethe, Kant . Seu preferido era Schopenhauer. Latia frases filosóficas que ninguém entendia. Comia manga pensando no sentido da Vida. Deitava-se de cao largado no topo de um talude suspirando pessimistamente. Sabia que um dia sua hora iria chegar. Olhou calmamente para o vidro de stricnina já sabendo o que lhe esperava. Seu último desejo foi uma costeleta de cordeiro com molho de menta e um pudim de leite condensado. Camilo o chamou e ele atendeu. Deitou-se no chao, fechou os olhos e pensou: "Será que lá no céu dos cachorros eu vou rever o Guidao?!" Dormiu e flutuou pelas nuvens.

5 comments:

Lucas said...

Há um erro no texto. Vovô pedro não conheceu Tiany.

Marcos said...

Pedro,

Não poderia haver homenagem melhor ao Led, emocionante!

Que ele descanse em paz!

Marcos

rato said...

Pessoal,
Agora Led, cao privilegiado, foi morar logo no reduto dos amigaveis, e notaveis Souza e Silva.

Agora se junta a Thiany, Luan, Luna e Angus Young !! O Hall da fama canina aonde muitos cachorros gostariam de estar!!

E agora aquela casa vai ficar mais triste ainda.

Mas o tempo ira fazer com que as coisas se encaixem, e tudo ficara melhor!!

Que Deus nos abencoe!!

leozinho said...

Deixo aqui meu pesar pelo acontecimento. Só quem tem cachorro sabe o quanto eles fazem falta.
Led faz parte da 2ª geração de cães que passou pelo condomínio.
Primeiro veio os imortais Rani, Tiani, Elfo, Tuti, Rocky, Byron, Tobi, Cerezo, aqueles casais de Dálmatas do Beto Pneumonia, etc.....
Quanto momentos engraçados passamos com eles....
Depois veio outra leva: Godines, Madruga, Zeca, Lunica, Billy, Angus, Luan (F.D.P. mordeu minha bunda) e outros.....

Anonymous said...

muito nem conhecem que os cães são mais que simples animais, eles são verdadeiros companheiros até o fim de sua vida, perdi meu amigo fez um ano mesmo assim não me esqueço nuca dele durante nossos oitos anos de alegrias, era um belos pastor alemão manto negro, ainda penso em criar outro exemplar, peço aos amigos que olhem meu blog por amizade a raça basta procurar no google por wwwlobocinza vai cair no meu blog faço tudo pela raça e quem ama pastora alemão