Sunday, August 03, 2014

Caos e Banquetes no Ramadan

Meerbusch (Ela dorme com Ele no colo)

As impressoes abaixo foram escritas 11 dias atrás lá mesmo no Cairo, no calor de 42° C.

Kairo (com K em alemao)

Um dia ainda irei dirigir no Cairo. Deve ser melhor do que pilotar a Mercedes do Rosberg. Ou a Yamaha de Il Dottore Rossi. Já falei sobre isso aqui: os egípcios sao os melhores motoristas do planeta. Disparado! Numa avenida de quatro pistas andam pelo menos seis carros lado a lado. Os pedestres atravessam aquele tsunami de viaturas na maior desenvoltura e tranquilidade. Vi um casal de maos dadas em meio aos carros ali passeando, como se tivessem no ar condicionado de um shopping.

Fico imaginando um alemao numa situacao dessas. Parado e impotente sem uma luz vermelha ou verde sequer para acionar o algoritmo interno que dará o comando „andar“ para suas pernas branquelas de bermudas com meias pretas e sapatos idem. Ficaria ali por três geracoes de um lado da avenida sem saber o que fazer. A nao ser que um solidário filho de Ramsés resolvesse ajudá-lo pegando-o pelo braco e rompendo o mar de lata, vidro e borracha a dentro até chegar do outro lado.

E as buzinas?! Sem elas o transito ficaria mais caótico do que já é. Servem pra tudo: anunciar a chegada, alertar, chega pra lá, sai da frente, anda logo lerdeza, cuidado, se nao pular fora te atropelo. Por aí vai. Sem elas os motoristas ficariam zonzos e desnorteados, por incrível que pareca. Um simples buzinar leva a crer que o da frente andará mais rápido, ou melhor ainda, desaparecerá.

Presenciei tudo isso a bordo do “taxi” do Magdy, um senhor egípcio nascido e criado no Cairo (cairano ou cairense?). Me pegou na saída do Museu Nacional do Cairo após me impressionar com Tutankhamon e companhia. Disse se chamar Cristiano por causa do português Ronaldo. Pedi para me levar ao famoso bazar da cidade, o Khan El-Khalili, um mercado aberto que se extende por 2.000 ruas formando um labirinto de cores, sabores, gostos e tradições. Perguntei quanto custaria e ele respondeu “as you wish” com um sorriso. Depois me convenceu habilmente a extender a corrida até o meu hotel depois da visita no bazar. Disse que ficaria me esperando no horário marcado. Contou-me que após as 7h da noite seria impossível achar um taxi por causa do Ramadan.

Quando o sol se poe os mulcumanos do mundo inteiro correm para os restaurantes ou mesas de suas casas para comer celebrando o fim de mais um dia em jejum. O Ramadan equivale a nossa quaresma e serve para renovar os votos a Allah. Mas quando o sol se poe a turma deita o cabelo no que vier pela frente comendo muito mais do que normalmente comeria. Nessa época os cozinheiros mulcumanos se esmeram fazendo receitas exclusivas para aplacar o sacrifício divino e saciar a fome de lob afonso dos devotos.

O Ramadan na verdade comemora o envio do anjo Gabriel (Jibril), ora vejam só, por Allah até o profeta Mohammad para transmitir-lhe os primeiros versos do Alcorao. Isso ocorre durante o 9° mês do calendário lunar islâmico todos os anos. Doacoes e caridade batem recordes nesses dias. É uma época de Perdao e Amor. E de muitas calorias!

Mas voltando ao El-Khalili. Lá sempre tem um nativo à espreita de um viajante desavisado. Ficam ali, feito águias a observar a massa humana indo e vindo. Se reconhecem um idioma familiar é tiro e queda. Armam a arapuca e partem pra cima. Quando você percebe já está seguindo o maluco pelos becos mais imundos mercado afora. Mohammed Hola – o “sobrenome” veio da sua habilidade em falar castelhano – me fisgou e mostrou onde comprar tempero barato, prata e ouro, pagou um café turco numa pocilga imunda, mas a única aberta e vendendo bebidas durante o periodo do Ramadan, e prometeu um giro na parte antiga do bazaar na próxima vez que eu voltar. De fato comprovou que os precos das especiarias podem variar absurdamente. Paguei 1 €/grama no alcafrao in natura no comparsa por ele indicado. Depois fomos a uma loja onde os guias brasileiros levam os trouxas. Era cinco vezes mais caro! Acho que tava tudo armado com este outro vendedor, mas a encenacao foi bem feita.

Chegamos a uma fábrica de jóias em prata e ouro. Ele fez de tudo para me convencer a comprar um pingente para o Gabriel. De fato essa era mesmo minha intencao, mas fingi desinteresse só pra testar suas habilidades. Mohammed pesava a jóia e fazia calculos do preco em libra egípcia e depois em dólar. Adicionava um pingente e pesava novamente repetindo os calculos. Deu a idéia de cortar o cordao para o pescoso encurtando-o para uma crianca fazendo uma pulserinha com a sobra. E pesa de novo, adiciona uma argolinha, diz que na rua é mais caro e isso e aquilo. Metralhava argumentos e gestos como um artista da fina arte de negociar. Sao mestres em criar a demanda e o desejo onde nao existe nada. Potencializam ao máximo a necessidade do cliente adquirir o produto e quando percebem que a isca foi mordida e nao tem mais volta se dao por satisfeitos. Ele ganhou a comissao da loja, nao sem antes abrir uma refresco pra mim “por conta da casa” e mostrar a diferenca de 0.65g em ouro que o dono da loja deixara passar.

Me levou novamente até a praca onde Magdy me esperava no taxi e pediu para que eu pagasse pelos seus servicos antes de chegar até o taxi. Depois percebi que ele queria apenas ganhar tempo durante o trajeto pra reclamar do valor. Nao importava o que eu oferecesse, ele sempre reclamaria que era injusto e pouco querendo mais. Disse ter criancas e precisar ir ao Alto Egito após o Ramadan com a mulher, crista, e o filho.

No final dei mais 5 € e nem assim ele ficou totalmente feliz. Sao uns artistas da venda e negociacao esses egípcios.

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