Meerbusch (Ela dorme com Ele no colo)
As impressoes abaixo foram escritas 11 dias atrás lá mesmo no Cairo, no calor de 42° C.
Kairo (com K em alemao)
Um
dia ainda irei dirigir no Cairo. Deve ser melhor do que pilotar a
Mercedes do Rosberg. Ou a Yamaha de Il Dottore Rossi. Já falei sobre
isso aqui: os egípcios sao os melhores motoristas do planeta. Disparado!
Numa avenida de quatro pistas andam pelo menos seis carros lado a lado.
Os pedestres atravessam aquele tsunami de viaturas na maior desenvoltura e tranquilidade.
Vi um casal de maos dadas em meio aos carros ali passeando, como se
tivessem no ar condicionado de um shopping.
Fico
imaginando um alemao numa situacao dessas. Parado e impotente sem uma luz
vermelha ou verde sequer para acionar o algoritmo interno que dará o
comando „andar“ para suas pernas branquelas de bermudas com meias pretas e sapatos idem. Ficaria ali por três
geracoes de um lado da avenida sem saber o que fazer. A nao ser que um
solidário filho de Ramsés resolvesse ajudá-lo pegando-o pelo braco e
rompendo o mar de lata, vidro e borracha a dentro até chegar do outro
lado.
E
as buzinas?! Sem elas o transito ficaria mais caótico do que já é.
Servem pra tudo: anunciar a chegada, alertar, chega pra lá, sai da
frente, anda logo lerdeza, cuidado, se nao pular fora te atropelo. Por
aí vai. Sem elas os motoristas ficariam zonzos e desnorteados, por incrível que pareca. Um
simples buzinar leva a crer que o da frente andará mais rápido, ou
melhor ainda, desaparecerá.
Presenciei
tudo isso a bordo do “taxi” do Magdy, um senhor egípcio nascido e
criado no Cairo (cairano ou cairense?). Me pegou na saída do Museu
Nacional do Cairo após me impressionar com Tutankhamon e companhia.
Disse se chamar Cristiano por causa do português Ronaldo. Pedi para me
levar ao famoso bazar da cidade, o Khan El-Khalili, um mercado aberto
que se extende por 2.000 ruas formando um labirinto de cores, sabores,
gostos e tradições. Perguntei quanto custaria e ele respondeu “as you
wish” com um sorriso. Depois me convenceu habilmente a extender a
corrida até o meu hotel depois da visita no bazar. Disse que ficaria me
esperando no horário marcado. Contou-me que após as 7h da noite seria
impossível achar um taxi por causa do Ramadan.
Quando
o sol se poe os mulcumanos do mundo inteiro correm para os restaurantes
ou mesas de suas casas para comer celebrando o fim de mais um dia em jejum. O Ramadan equivale a
nossa quaresma e serve para renovar os votos a Allah. Mas quando o sol se poe a turma deita o
cabelo no que vier pela frente comendo muito mais do que normalmente
comeria. Nessa época os cozinheiros mulcumanos se esmeram fazendo receitas exclusivas para
aplacar o sacrifício divino e saciar a fome de lob afonso dos devotos.
O
Ramadan na verdade comemora o envio do anjo Gabriel (Jibril), ora vejam
só, por Allah até o profeta Mohammad para transmitir-lhe os primeiros
versos do Alcorao. Isso ocorre durante o 9° mês do calendário lunar
islâmico todos os anos. Doacoes e caridade batem recordes nesses dias. É uma época
de Perdao e Amor. E de muitas calorias!
Mas voltando ao El-Khalili. Lá sempre tem um nativo à espreita de um viajante desavisado. Ficam ali, feito águias a observar a massa humana indo e vindo. Se reconhecem um idioma familiar é tiro e queda. Armam a arapuca e partem pra cima. Quando
você percebe já está seguindo o maluco pelos becos mais imundos mercado
afora. Mohammed Hola – o “sobrenome” veio da sua habilidade em falar
castelhano – me fisgou e mostrou onde comprar tempero barato, prata e ouro, pagou
um café turco numa pocilga imunda, mas a única aberta e vendendo
bebidas durante o periodo do Ramadan, e prometeu um giro na parte antiga
do bazaar na próxima vez que eu voltar. De fato comprovou que os precos
das especiarias podem variar absurdamente. Paguei 1 €/grama no alcafrao
in natura no comparsa por ele indicado. Depois fomos a uma loja onde os
guias brasileiros levam os trouxas. Era cinco vezes mais caro! Acho que tava tudo armado com este outro vendedor, mas a encenacao foi bem feita.
Chegamos
a uma fábrica de jóias em prata e ouro. Ele fez de tudo para me
convencer a comprar um pingente para o Gabriel. De fato essa era mesmo
minha intencao, mas fingi desinteresse só pra testar suas habilidades.
Mohammed pesava a jóia e fazia calculos do preco em libra egípcia e
depois em dólar. Adicionava um pingente e pesava novamente repetindo os
calculos. Deu a idéia de cortar o cordao para o pescoso encurtando-o
para uma crianca fazendo uma pulserinha com a sobra. E pesa de novo,
adiciona uma argolinha, diz que na rua é mais caro e isso e aquilo.
Metralhava argumentos e gestos como um artista da fina arte de negociar.
Sao mestres em criar a demanda e o desejo onde nao existe nada. Potencializam ao
máximo a necessidade do cliente adquirir o produto e quando percebem que
a isca foi mordida e nao tem mais volta se dao por satisfeitos. Ele ganhou a comissao da
loja, nao sem antes abrir uma refresco pra mim “por conta da casa” e
mostrar a diferenca de 0.65g em ouro que o dono da loja deixara passar.
Me
levou novamente até a praca onde Magdy me esperava no taxi e pediu para que eu pagasse
pelos seus servicos antes de chegar até o taxi. Depois percebi que ele
queria apenas ganhar tempo durante o trajeto pra reclamar do valor. Nao importava o que eu
oferecesse, ele sempre reclamaria que era injusto e pouco querendo mais. Disse ter
criancas e precisar ir ao Alto Egito após o Ramadan com a mulher, crista, e o filho.
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