Tuesday, November 08, 2022

O escritor de prefácios

Viena (após um longo e tenebroso inverno, voltamos!)

Trutao no ar! Primeiro post de 2022, feliz ano novo a todos.

 

Escrevi essas linhas no dia 18.10.2022 no Donauzentrum enquanto esperava os meninos sairem do niver da Estela, filha do Thiago e Jaque. Me aboletei num café e ali digitei o que vem a seguir.

“O escritor de prefácios”


 Ele tinha o melhor emprego do mundo. Com três a quatro parágrafos resolvia o problema e partia pra outro. Generalista de formacao, nunca se aprofundava em nada. Falava e escrevia bem sobre praticamente todos os assuntos. De astronomia a caca às trufas no Piemonte, da Fórmula 1 na Era Turbo à degradacao ambiental da Grande Barreira de Corais, da concepcao de uma família de cisnes a algoritmos de recomendacao musical.

Escrever prefácios, qualquer um, casava como uma luva em sua personalidade generalista e rasa. Nem ele e nem ninguém jamais contestava a superficialidade daquelas páginas iniciais. O livro está logo depois, justamente pra ir a fundo, ou nao, no tema principal. A contracapa é até mais complexa pois tem um flair de conclusao e ao mesmo tempo ferramenta de marketing para fisgar o incauto leitor indeciso numa megastore.

O prefácio nao. Ninguém o lê antes de se decidir pela compra do exemplar. Analisamos a capa, suas cores, diagramacao, tamanho e tipo das letras, nome e sobrenome do autor. Depois vem a citada contracapa, sempre com algumas referências e elogios falsos. Ninguém jamais irá publicar um testemunho negativo no próprio livro. Seria um antimarketing, mas o mundo anda tao surtado que poderia até funcionar.

A orelha inicial nos conta um pouco mais do que está por vir. A orelha final tem sempre um mini curriculum do autor e suas principais obras. E basta decidir se compramos ou nao, investimos ou nao nosso suado dinheiro e depois nosso escasso tempo naquelas páginas, parágrafos e linhas quase infinitas.

O prefácio fica escondido, é solenemente ignorado e, mesmo assim, consegue se mantém soberano em lugar de destaque logo no comeco. É uma espécie de direito adquirido. Nao o prefácio em si que só poderia estar no início, mas por sua irrelevância história com as raras excecoes confirmando a regra. Entretanto, raros sao os livros sem prefácio. Em nao ficcao todos tem.

Nao me lembro de nenhum, mas nenhum prefácio assim, de bate e pronto, que tenha me chamado a atencao. Puxei aqui pela memória, espremi os neurônios até a última gota e nada.

Ao terminar o livro, geralmente relemos a contracapa e as orelhas, mas jamais voltamos ao famigerado prefácio.

Era realmente o emprego perfeito. Além do home office ainda pagava bem.


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