Tuesday, February 26, 2019

Neuzo fez 30 anos

Viena (quem espera, sempre alcança)

No dia 23 de junho de 2018 o Neuzo, meu Trabant ou Trabi para os íntimos, completou 30 anos. Fazem mais de três décadas que ele deixou a fábrica de Zwickau na Saxônia e saiu por aí enfeitando o mundo. É agora considerado um carro clássico. Um placa preta no Brasil ou um Oldtimer aqui na Europa. Ainda não tomei as providências para registrá-lo assim, mas tomarei. Um dia.

O Trabant é aquele carrinho icônico da Alemanha Oriental, um dos símbolos daquela época difícil dos irmãos do Leste. Algumas famílias esperavam meses, até mais de um ano na fila pra conseguir comprar um desses. E pagavam caro, muito caro. Era artigo de luxo, apesar do carro em si não ter luxo algum. Por coincidência, o meu Trabi é do modelo "601 De Luxe" que de luxuoso mesmo só a capa do encosto de cabeça feita de um tipo de veludo. Costumo dizer que é o "Winter Pakett", ou "opcional de inverno" em português.

Um carrinho assim desperta emoções e faz os corações baterem mais rápido por onde passa. Especialmente em Viena, capital da Áustria, colada no Leste Europeu. A presença de muitos polacos, tchecos, eslovacos, eslovenos, croatas, romenos, húngaros e, por que não, alemães nascidos no lado oriental faz com que o Neuzo chame mais a atenção nas ruas do que um Porsche 911 Targa último tipo. Em menos de uma hora de carro ou trem chega-se em Bratislava, atual capital da Eslováquia, antiga Tchecoslováquia. Basta pegar um barco no Donaukanal e deixá-lo seguir a correnteza pelo Danúbio e chegamos lá.

Hoje mesmo saí pra dar umas bandas lá no 22, o 22° distrito de Viena que é o maior da cidade correspondendo por 25% da área. Fui levar um panelão usado pra transportar a feijoada do meu aniversário. A Cléa fez sob encomenda e foi um sucesso. O conjunto de prédios onde ela mora está em reforma. A construção civil aqui é composta basicamente por cidadãos do leste europeu e turcos. Quando me viram de longe ficaram parados só observando o Neuzo vindo vagarosamente pela rua com sorrisos nos rostos emocionados. Me senti numa Ferrari zero desfilando em Monte Carlo. Desci do carro e dois caras já chegaram elogiando dizendo que era um "cooles Auto" ou seja, um carro bacana. Perguntaram o ano de fabricação e outros detalhes.

Por onde passa o Neuzo desperta reações. Seja um jóia tímido, um sorriso maroto, um pescoço virado, tchauzinhos das crianças nos outros carros e mesmo inspeções minuciosas de curiosos e admiradores quando o carro está estacionado. Nunca me perguntaram se eu venderia. "Por dinheiro nenhum do mundo" seria a resposta, na ponta da língua.

O Friedrich, meu mecânico vienense, tem uns 8 Trabis. Fora outros 40 ou 50 e tantos carros, a maioria Fuscas e Kombis. É um doido varrido acumulador e não um colecionador já que no máximo uns 10 carros desse total estão em bom estado. Ele vive quebrando meus galhos, fazendo inspeção anual, comprando pecas e trocando o que precisa ser consertado. Sempre cobrou só a mão de obra e o valor das pecas. Faz por que gosta e foi com a minha cara desde o início. Em 2017 importei um Fusca Itamar Série Ouro pra ele, vermelho Dakar. Uma beleza! Quer agora uma Kombi 1974, 75 ou 76. Não sei exatamente por que desses anos específicos.

Abaixo Neuzo e um dos Trabis do Friedrich. Acho que esse é um que ele comprou batido na Bavária com 3.800 KM. Uma raridade!


Desconfio que Friedrich seja herdeiro de uma rica família ou tenha ganho na loteria ou a esposa morreu num pavoroso acidente de lancha e ele embolsou o polpudo seguro de Vida. Não tem explicação um cara morar no 3° distrito, numa cobertura, com uma mega garagem pra mais de 20 carros e viver dos ganhos de sua oficina mecânica dedicada a consertar principalmente Fuscas e carros populares. Ele me convidou pra festa dos seus 50 anos, mas infelizmente eu tinha outro programa. Tenho certeza que foi uma noite memorável ao aroma de óleo dois tempos e muita conversa sobre quatro rodas.

Alguns dos carros da garagem do Friedrich no 3° distrito. Esse Karman Ghia tá sem estofamento e tapeçaria, mas a parte mecânica tá ok. Desde 2014 ele fala que vai terminar de restaurar...


Quando o Trabant fez 60 anos no dia 7 de novembro de 2017 a Deutsche Welle publicou esta reportagem especial. E no dia 30 de abril de 1991 o último Trabi foi fabricado. Segundo esta outra reportagem da DW "Exatamente 3.069.099 unidades foram fabricadas até as 14h51 do dia 30 de abril de 1991, quando a montadora Sachsenring encerrou a produção do lendário veículo.

Ele já foi chamado de "Porsche de plástico" por causa da carroceria e Duraplast que solta gases tóxicos quando pega fogo e não pode ser reciclada. Dizem que para se consertar um Trabi basta ter tesoura e cola em maos. E assim segue a história desse carinho carismático e amado pelo mundo.

Um carro antigo é como uma Máquina do Tempo. Toda vez que entro no Neuzo e dou a partida ele sempre pega de primeira, mesmo nos dias mais frios do inverno. Claro que o afogador ajuda, mas preciso dele até no verão. Ali dentro volto alguns anos no passado e fico imaginando os trabalhadores que gastaram horas de suor, dedicação e, por que não, amor na sua construção. Penso nos testes da linha de montagem tao simples e ao mesmo tempo toscos visto em videos no youtube. Nos seus outros pouco mais de 3 milhões de irmãos espalhados pela Europa principalmente. Hoje em dia esse número é menor já que muitos foram sucateados sendo usados como peca de reposição para outros nobres irmãos.

Fico viajando e especulando por onde ele andou, quem transportou, o que as pessoas que nele andaram falaram, fizeram, sentiram. Será que alguém já namorou dentro do Neuzo? Houveram brigas? Crianças foram transportadas felizes da Vida no banco de trás? Quantas vezes os bancos ficaram sujos de suco de uva e biscoitos Leibniz dos moleques?! E os apertos nas estradas? Queria muito saber quantas vezes Neuzo teve os pneus furados e quais foram os motivos. Será que Neuzo já participou de alguma tentativa de fuga da Cortina de Ferro tentando atravessar a fronteira do lado Oriental com o Ocidental na calada de uma noite de lua nova na floresta da Turíngia?! Já bateu ou bateram nele?! Tinha seguro?!

Jamais saberei, mas um dia vou perguntar. Quem sabe entre uma marcha e outra ele me conta.

1 comment:

Anonymous said...

Fim do Trutão