Viena (acompanhado de um Pincher mudo e de seis cadeiras de rodas)
Uma vez estávamos reunidos em Reims, capital da Champagne, com alguns casais de amigos quando alguém lançou o pequeno desafio de cada um contar a maior loucura que já vivenciara. Fui o primeiro e único a contar meu "causo". Continue lendo e saiba o motivo.
Novembro de 2004 em Viena, um frio do cão sem nada pra fazer quando o Marcin, polaco mais pão duro que alemão, sugeriu visitar a Cracóvia no final de semana. Ele era o único que tinha carro, na verdade era do tio mas ele dizia que era dele pra tirar onda. Um Mercedes 190E anos 90 com estofado rubro negro... PQP!!! A turma toda era estudante de Doutorado com grana suficiente pra viver com certo conforto, mas sem fazer muita gracinha.
Lá fomos nós saindo de Viena numa sexta à tarde chuvosa com previsão de voltar no domingo a noite. Auschwitz estava no roteiro. Marcin no volante, Haroldinho, Rodrigão, Leozinho e eu com destino a cidade onde o Papa Joao Paulo II começou sua, digamos, carreira. Tinha um hotel reservado, mas só o polaco sabia onde era. Chegamos sem maiores percalços na cidade estacionando o carro próximo à praça principal da belíssima Cracóvia. Ampla, moderna, cheia de bares, restaurantes, uma catedral importante pra acomodar a massa de católicos poloneses já que uns 90% da população acredita em Jesus Cristo e sua trupe. Eu em breve me tornaria um devoto fervoroso.
O objetivo da viagem era gandaiar o máximo possível. Pelo menos o meu. Marcin, coitado, queria apenas mostrar um pouco do seu país pra nós e talvez estreitar um pouco aquela fria amizade inicial entre um europeu da ex-Cortina de Ferro e quatro brazucas dispostos ao tudo ou nada. Como chegamos lá pelas 10h da noite não perdemos tempo. Entramos na primeira boate mais ou menos bacana e cheia, que por sorte ficava na própria praça famosa. Entre uma ótima cerva local, Pivo em polaco, e outra e um reconhecimento básico do local e sua fauna, resolvemos beber vodka. Era o início do fim. As doses nesses países são baratas e fartas, normalmente de 50ml. Ao contrário da Europa Ocidental, onde um mísero copinho de 20ml custa caro e o líquido é de qualidade inferior.
Do pouco que me lembro a boate tinha umas arcadas e janelões pra rua e não era muito grande. Havia uma espécie de palco servindo de pista de dança e as músicas tocadas pelo DJ era boas. Com a vodka na cachola ele foi ficando fantástico. Bebemos a primeira e nada. Viramos a segunda... e nada. Na terceira rodada pedimos uma dupla pra turbinar as ações e começar o agito pra valer. Na quinta dose eu ganhei na loteria, fiquei invisível e imortal ao mesmo tempo. A turma se espalhou, cada um partindo numa batalha ingrata em busca da sua mulher amada. Ou de um cobertor de orelha por uma noite.
Lá pelas tantas, apesar do frio, resolvi sair e respirar ar puro. Lá na praça, sozinho, vi dois malucos correndo. Ora um corria pra cima do outro, ora invertiam as posições. De repente reconheci o Haroldinho e Rodrigão como protagonistas do espetáculo. Uma gritaria infernal chamava a atenção de quem passava. De repente um bateu com a cabeça na boca do outro tirando sangue e manchando a blusa. Um polaco nos observava e começou a falar algo. Eu respondi em português xingando ferozmente o incauto. Ele ficou quieto. De repente vi um X da minha frente. Era um daqueles suportes de barracas da feira de sábado estocados na praça. Não tive dúvidas e peguei um. Sai arrastando aquela merda praça afora com Haroldinho e Rodrigão no meu encalço tentando me parar. Até que finalmente conseguiram. Mais calmos resolvemos procurar outro lugar. Leozinho puxou a fila. Nesse momento o Marcin já tinha sumido. Devia ter ido pro carro rezar. Entramos em outra boate pra beber mais cerveja e provavelmente mais vodka.
Saímos pra rua novamente, por livre e espontânea vontade ou expulsos. Resolvemos procurar o carro. Perambulando bêbados e sonoros pela cidade quem me aparece?! Se pensou na polícia, acertou! No primeiro encontro pediram os passaportes, mostramos comportadamente até hoje não sei como, e foram embora. Rodrigão tava mais são e assistia a tudo bestificado. Haroldinho e eu tropeçávamos nessas correntes baixas colocadas nas calcadas como se fosse alguém nos passando uma rasteira a cada dois metros. Num desses momentos a polícia pareceu de novo. Eu estava deitado, estilo Neymar, quando levantei o braço entregando meu passaporte. O guarda polaco começou a rir e me devolveu sem falar nada. Leozinho tinha sumido também. Fomos saber no dia seguinte que ele tinha se separado do grupo atrás de umas polacas insanas e ficado na última boate com alguma Cinderela, hahaha.
Me deu uma louca e resolvi ir embora. Sozinho e à francesa, como de praxe. Larguei Rodrigão em bom estado e Haroldinho em petição de miséria nas ruas da Cracóvia largados à própria sorte. Quanta irresponsabilidade! Na verdade, como eu não acharia o carro nunca decidi dormir em algum lugar. Eles vieram me seguindo sem saber o que eu iria fazer. Entrei num prédio qualquer, subi o primeiro lance de escadas e tentei abrir a primeira porta da direita. Estava trancada. Tentei a da esquerda e nada. Subi dois lances e repeti o procedimento no 1° andar. Nada.
Imbuído de uma vontade incontrolável de dormir numa cama subi até o 2° andar. Lá a porta da direita estava aberta. Entrei. Já estava quase amanhecendo e uma claridade me ajudou a enxergar. Entrei pela cozinha e andei até o corredor. Olhei pra direita e vi um cachorrinho Pincher parado, me olhando e mudo. Não deu um pio. Deve ter pensado que eu o comeria se fizesse algo. Passei por ele e abri a porta no final do corredor. A penumbra me mostrou algumas cadeiras de roda espalhadas num quarto, vazias. Deviam ser umas cinco ou seis. Voltei pelo mesmo corredor e entrei no primeiro quarto à direita. Um biombo protegia a privacidade do hóspede. Pra minha supresa havia uma cama vazia e um cobertor dobrado no pé. Não tive dúvidas. Me sentei na cama e tirei os sapatos cuidadosamente. Me lembrei de colocar o celular no silencioso já sabendo que os loucos iriam me ligar insanamente. Tirei minha correntinha e coloquei ao lado do celular na mesinha de cabeceira ao lado da cama. Afrouxei o cinto, puxei a coberta e dormi. Só faltou ir na cozinha buscar um copo d'água.
Enquanto isso, os dois doidos se desesperavam lá fora sem saber onde eu tinha entrado. Me ligavam sem parar até desistir. Vagaram pela cidade alguns minutos e encontraram um táxi, lá pelas 5h da matina de sábado. Entraram no carro e ficaram em silêncio. O motorista olhou pra traz e gesticulou como se perguntando "pra onde, caralho?!". Haroldinho respondeu claramente "Para o hotel, por favor", virou pro lado e dormiu. Rodrigão havia chegado fazia um mês sem falar quase nada de inglês. Ficou olhando pra cara do motorista sem saber o que fazer. Ninguém sabia onde era o hotel. O taxista malandro viu que ia poderia faturar em cima daqueles brazucas cachaçados e saiu dirigido a esmo pela cidade. Depois de algum tempo Haroldinho acordou. Percebeu que jamais chegariam ao hotel e gritou pro motorista parar. No meio do nada. Ele obedeceu, pagaram a corrida e desceram. O Dr. Cavalcanti, num rompante de sabedoria, parecia querer resolver a situação. Só não sabia como. Saiu chutando carros, latas de lixo, cachorros e o que aparecesse na frente. Rodrigão, escandalizado, acompanhava tudo em silêncio pensando "o fim está próximo". Lá pelas tantas eles resolvem voltar pra praça. Conseguem finalmente achar o carro do Marcin. Leozinho dormia também e acordou perguntando "Cadê o gandaia?!", meu singelo apelido na época. Responderam "Não sabemos... o louco entrou num prédio qualquer pra dormir e nos perdemos.
As 13h da tarde eu abro os olhos. Sento na cama e começo a avaliar a situação numa ressaca monumental. Não estava machucado. Meus pertences ali, intactos. Estava num quarto e um biombo me protegia de quem passava pelo corredor. Me lembrei vagamente da noite anterior. Coloco os sapatos, aperto o cinto, celular no bolso com 34 mensagens perdidas, correntinha no pescoço e vamos em frente! Consegui achar a porta que dava pra escada. Desço o primeiro lance e uma mulher subindo me olha de relance. Passo por ela acelerando o passo no lance seguinte. Ganho as ruas aliviadamente sem saber onde estou. Neste momento faço um filmete com minha câmera digital recém adquirida. Lembrem-se, estamos em 2004 e essas coisas ainda eram novidade. O filme é este:
Percebo que meus sapatos estão sujos de merda! Como assim?! Depois a galera me malhou, e malha até hoje, falando que dormi num galinheiro. Seria merda do Pincher?! Ou dos donos das cadeiras de roda?! Jamais saberei. Perambulo pela cidade tentando achar a famosa praça novamente. Entro num restaurante chique pra tentar comer algo. Revivendo a fábula do "Príncipe e o Mendigo", peço caviar! Na Polônia nossos Euros valiam muito, não se esqueçam. E uma Coca-Cola. Dou duas garfadas e corro para o banheiro. Ali resolvo meus problemas, saio branco e com pressão baixa voltando pra mesa como se nada tivesse acontecido. Só consigo beber a coca. Ligo pra turma que aliviados me informam o endereço do hotel onde chego ás 15h da tarde de sábado. Ainda tentei dormir, mas em vão.
À noite saímos pra jantar coletando os relatos múltiplos refazendo a sequência de eventos e o destino de cada um. Gargalhadas correm soltas. Marcin devia estar arrependido, mas acho que no fundo curtiu. Rodrigão quer pegar o primeiro avião para o Brasil. No domingo fizemos turismo pela cidade, soubemos do dragão guardião do castelo e partimos pra Auschwitz fechando com chave de ouro o final de semana. Chegamos lá à noite, umas 20h. Entramos passando por debaixo de um dos portões com a famosa frase "Arbeit macht frei", em tradução livre "O trabalho liberta". Não tinha ninguém e o frio gelava a alma. Caminhamos por sobre os trilhos dos trens por onde chegavam carregados de judeus. No fim da linha vimos os escombros das câmaras de gases. Uma energia negativa tao impressionante que ninguém foi capaz de dizer uma palavra. Ali, nos escombros, cinco malucos absortos em seus pensamentos sem ter noção de onde estavam. Voltamos pelos mesmos trilhos e entramos no carro. Seguimos viagem e após umas 2 horas de silêncio absoluto alguém disse algo.
Chegamos em Viena lá pelas 3h da matina tendo que trabalhar na segunda, dali algumas horas. E o Marcin ainda ficou parado num sinal vermelho por vários minutos sem vir carro no outro sentido. Ali comecei a entender o que significa respeitar e obedecer regras.
Tive muita sorte de ninguém me ver no quarto. Poderia ter sido morto ou espancado por um polaco furioso ao ver um brazuca bebum invadir sua casa. Santa inconseqüência!!!
Deus existe e é polaco.
ps. tenho alguns videos dessa noite que fazem "Bruxa de Blair" parecer uma missa de domingo. Não fui autorizado a publicar, somente o meu.
Uma vez estávamos reunidos em Reims, capital da Champagne, com alguns casais de amigos quando alguém lançou o pequeno desafio de cada um contar a maior loucura que já vivenciara. Fui o primeiro e único a contar meu "causo". Continue lendo e saiba o motivo.
Novembro de 2004 em Viena, um frio do cão sem nada pra fazer quando o Marcin, polaco mais pão duro que alemão, sugeriu visitar a Cracóvia no final de semana. Ele era o único que tinha carro, na verdade era do tio mas ele dizia que era dele pra tirar onda. Um Mercedes 190E anos 90 com estofado rubro negro... PQP!!! A turma toda era estudante de Doutorado com grana suficiente pra viver com certo conforto, mas sem fazer muita gracinha.
Lá fomos nós saindo de Viena numa sexta à tarde chuvosa com previsão de voltar no domingo a noite. Auschwitz estava no roteiro. Marcin no volante, Haroldinho, Rodrigão, Leozinho e eu com destino a cidade onde o Papa Joao Paulo II começou sua, digamos, carreira. Tinha um hotel reservado, mas só o polaco sabia onde era. Chegamos sem maiores percalços na cidade estacionando o carro próximo à praça principal da belíssima Cracóvia. Ampla, moderna, cheia de bares, restaurantes, uma catedral importante pra acomodar a massa de católicos poloneses já que uns 90% da população acredita em Jesus Cristo e sua trupe. Eu em breve me tornaria um devoto fervoroso.
O objetivo da viagem era gandaiar o máximo possível. Pelo menos o meu. Marcin, coitado, queria apenas mostrar um pouco do seu país pra nós e talvez estreitar um pouco aquela fria amizade inicial entre um europeu da ex-Cortina de Ferro e quatro brazucas dispostos ao tudo ou nada. Como chegamos lá pelas 10h da noite não perdemos tempo. Entramos na primeira boate mais ou menos bacana e cheia, que por sorte ficava na própria praça famosa. Entre uma ótima cerva local, Pivo em polaco, e outra e um reconhecimento básico do local e sua fauna, resolvemos beber vodka. Era o início do fim. As doses nesses países são baratas e fartas, normalmente de 50ml. Ao contrário da Europa Ocidental, onde um mísero copinho de 20ml custa caro e o líquido é de qualidade inferior.
Do pouco que me lembro a boate tinha umas arcadas e janelões pra rua e não era muito grande. Havia uma espécie de palco servindo de pista de dança e as músicas tocadas pelo DJ era boas. Com a vodka na cachola ele foi ficando fantástico. Bebemos a primeira e nada. Viramos a segunda... e nada. Na terceira rodada pedimos uma dupla pra turbinar as ações e começar o agito pra valer. Na quinta dose eu ganhei na loteria, fiquei invisível e imortal ao mesmo tempo. A turma se espalhou, cada um partindo numa batalha ingrata em busca da sua mulher amada. Ou de um cobertor de orelha por uma noite.
Lá pelas tantas, apesar do frio, resolvi sair e respirar ar puro. Lá na praça, sozinho, vi dois malucos correndo. Ora um corria pra cima do outro, ora invertiam as posições. De repente reconheci o Haroldinho e Rodrigão como protagonistas do espetáculo. Uma gritaria infernal chamava a atenção de quem passava. De repente um bateu com a cabeça na boca do outro tirando sangue e manchando a blusa. Um polaco nos observava e começou a falar algo. Eu respondi em português xingando ferozmente o incauto. Ele ficou quieto. De repente vi um X da minha frente. Era um daqueles suportes de barracas da feira de sábado estocados na praça. Não tive dúvidas e peguei um. Sai arrastando aquela merda praça afora com Haroldinho e Rodrigão no meu encalço tentando me parar. Até que finalmente conseguiram. Mais calmos resolvemos procurar outro lugar. Leozinho puxou a fila. Nesse momento o Marcin já tinha sumido. Devia ter ido pro carro rezar. Entramos em outra boate pra beber mais cerveja e provavelmente mais vodka.
Saímos pra rua novamente, por livre e espontânea vontade ou expulsos. Resolvemos procurar o carro. Perambulando bêbados e sonoros pela cidade quem me aparece?! Se pensou na polícia, acertou! No primeiro encontro pediram os passaportes, mostramos comportadamente até hoje não sei como, e foram embora. Rodrigão tava mais são e assistia a tudo bestificado. Haroldinho e eu tropeçávamos nessas correntes baixas colocadas nas calcadas como se fosse alguém nos passando uma rasteira a cada dois metros. Num desses momentos a polícia pareceu de novo. Eu estava deitado, estilo Neymar, quando levantei o braço entregando meu passaporte. O guarda polaco começou a rir e me devolveu sem falar nada. Leozinho tinha sumido também. Fomos saber no dia seguinte que ele tinha se separado do grupo atrás de umas polacas insanas e ficado na última boate com alguma Cinderela, hahaha.
Me deu uma louca e resolvi ir embora. Sozinho e à francesa, como de praxe. Larguei Rodrigão em bom estado e Haroldinho em petição de miséria nas ruas da Cracóvia largados à própria sorte. Quanta irresponsabilidade! Na verdade, como eu não acharia o carro nunca decidi dormir em algum lugar. Eles vieram me seguindo sem saber o que eu iria fazer. Entrei num prédio qualquer, subi o primeiro lance de escadas e tentei abrir a primeira porta da direita. Estava trancada. Tentei a da esquerda e nada. Subi dois lances e repeti o procedimento no 1° andar. Nada.
Imbuído de uma vontade incontrolável de dormir numa cama subi até o 2° andar. Lá a porta da direita estava aberta. Entrei. Já estava quase amanhecendo e uma claridade me ajudou a enxergar. Entrei pela cozinha e andei até o corredor. Olhei pra direita e vi um cachorrinho Pincher parado, me olhando e mudo. Não deu um pio. Deve ter pensado que eu o comeria se fizesse algo. Passei por ele e abri a porta no final do corredor. A penumbra me mostrou algumas cadeiras de roda espalhadas num quarto, vazias. Deviam ser umas cinco ou seis. Voltei pelo mesmo corredor e entrei no primeiro quarto à direita. Um biombo protegia a privacidade do hóspede. Pra minha supresa havia uma cama vazia e um cobertor dobrado no pé. Não tive dúvidas. Me sentei na cama e tirei os sapatos cuidadosamente. Me lembrei de colocar o celular no silencioso já sabendo que os loucos iriam me ligar insanamente. Tirei minha correntinha e coloquei ao lado do celular na mesinha de cabeceira ao lado da cama. Afrouxei o cinto, puxei a coberta e dormi. Só faltou ir na cozinha buscar um copo d'água.
Enquanto isso, os dois doidos se desesperavam lá fora sem saber onde eu tinha entrado. Me ligavam sem parar até desistir. Vagaram pela cidade alguns minutos e encontraram um táxi, lá pelas 5h da matina de sábado. Entraram no carro e ficaram em silêncio. O motorista olhou pra traz e gesticulou como se perguntando "pra onde, caralho?!". Haroldinho respondeu claramente "Para o hotel, por favor", virou pro lado e dormiu. Rodrigão havia chegado fazia um mês sem falar quase nada de inglês. Ficou olhando pra cara do motorista sem saber o que fazer. Ninguém sabia onde era o hotel. O taxista malandro viu que ia poderia faturar em cima daqueles brazucas cachaçados e saiu dirigido a esmo pela cidade. Depois de algum tempo Haroldinho acordou. Percebeu que jamais chegariam ao hotel e gritou pro motorista parar. No meio do nada. Ele obedeceu, pagaram a corrida e desceram. O Dr. Cavalcanti, num rompante de sabedoria, parecia querer resolver a situação. Só não sabia como. Saiu chutando carros, latas de lixo, cachorros e o que aparecesse na frente. Rodrigão, escandalizado, acompanhava tudo em silêncio pensando "o fim está próximo". Lá pelas tantas eles resolvem voltar pra praça. Conseguem finalmente achar o carro do Marcin. Leozinho dormia também e acordou perguntando "Cadê o gandaia?!", meu singelo apelido na época. Responderam "Não sabemos... o louco entrou num prédio qualquer pra dormir e nos perdemos.
As 13h da tarde eu abro os olhos. Sento na cama e começo a avaliar a situação numa ressaca monumental. Não estava machucado. Meus pertences ali, intactos. Estava num quarto e um biombo me protegia de quem passava pelo corredor. Me lembrei vagamente da noite anterior. Coloco os sapatos, aperto o cinto, celular no bolso com 34 mensagens perdidas, correntinha no pescoço e vamos em frente! Consegui achar a porta que dava pra escada. Desço o primeiro lance e uma mulher subindo me olha de relance. Passo por ela acelerando o passo no lance seguinte. Ganho as ruas aliviadamente sem saber onde estou. Neste momento faço um filmete com minha câmera digital recém adquirida. Lembrem-se, estamos em 2004 e essas coisas ainda eram novidade. O filme é este:
Percebo que meus sapatos estão sujos de merda! Como assim?! Depois a galera me malhou, e malha até hoje, falando que dormi num galinheiro. Seria merda do Pincher?! Ou dos donos das cadeiras de roda?! Jamais saberei. Perambulo pela cidade tentando achar a famosa praça novamente. Entro num restaurante chique pra tentar comer algo. Revivendo a fábula do "Príncipe e o Mendigo", peço caviar! Na Polônia nossos Euros valiam muito, não se esqueçam. E uma Coca-Cola. Dou duas garfadas e corro para o banheiro. Ali resolvo meus problemas, saio branco e com pressão baixa voltando pra mesa como se nada tivesse acontecido. Só consigo beber a coca. Ligo pra turma que aliviados me informam o endereço do hotel onde chego ás 15h da tarde de sábado. Ainda tentei dormir, mas em vão.
À noite saímos pra jantar coletando os relatos múltiplos refazendo a sequência de eventos e o destino de cada um. Gargalhadas correm soltas. Marcin devia estar arrependido, mas acho que no fundo curtiu. Rodrigão quer pegar o primeiro avião para o Brasil. No domingo fizemos turismo pela cidade, soubemos do dragão guardião do castelo e partimos pra Auschwitz fechando com chave de ouro o final de semana. Chegamos lá à noite, umas 20h. Entramos passando por debaixo de um dos portões com a famosa frase "Arbeit macht frei", em tradução livre "O trabalho liberta". Não tinha ninguém e o frio gelava a alma. Caminhamos por sobre os trilhos dos trens por onde chegavam carregados de judeus. No fim da linha vimos os escombros das câmaras de gases. Uma energia negativa tao impressionante que ninguém foi capaz de dizer uma palavra. Ali, nos escombros, cinco malucos absortos em seus pensamentos sem ter noção de onde estavam. Voltamos pelos mesmos trilhos e entramos no carro. Seguimos viagem e após umas 2 horas de silêncio absoluto alguém disse algo.
Chegamos em Viena lá pelas 3h da matina tendo que trabalhar na segunda, dali algumas horas. E o Marcin ainda ficou parado num sinal vermelho por vários minutos sem vir carro no outro sentido. Ali comecei a entender o que significa respeitar e obedecer regras.
Tive muita sorte de ninguém me ver no quarto. Poderia ter sido morto ou espancado por um polaco furioso ao ver um brazuca bebum invadir sua casa. Santa inconseqüência!!!
Deus existe e é polaco.
ps. tenho alguns videos dessa noite que fazem "Bruxa de Blair" parecer uma missa de domingo. Não fui autorizado a publicar, somente o meu.
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