Thursday, February 09, 2012

Riesling da Caxemira

Düsseldorf (mantenha a mente aberta)

A Europa tem dessas coisas. Voltando de reunioes ocorridas em Saarland, sudoeste da Alemanha, passamos pelo Mosel. E lembramos de um excelente produtor local de Riesling, Markus Molitor. Olhamos no GPS e estaríamos lá cinco pras cinco da tarde. Ligamos pra saber até quando ficaria aberto: 17h na pinta. "A senhora pode ficar mais uns dez minutinhos aberta pra gente comprar algumas garrafas?!". Diante da resposta positiva, desviamos o rumo com um sorriso maroto no canto da boca.

Ao chegar a Frau nos pergunta se queremos provar os vinhos. Um olha pra cara do outro, um sou eu e o outro o Luis, meu chefe, e balancamos a cabeca afirmativamente. Como a sede principal da vinícula Molitor está em reformas, atendem agora provisoriamente numa outra casa. Que vem a ser a casa da sogra da citada Frau, uma funcionária da empresa e nao membro da família Molitor. Nao importa.

Sentamos na mesa da sala de jantar, no segundo andar da casa, com vista para o Mosel. Dois copos pra cada e a Frau some pra buscar as garrafas. Entra um sujeito, parecendo indiano, e se junta a nós. Disse nao ter provado todos os vinhos da casa ainda e usaria a oportunidade para tal. Acabara de comecar na casa, no início de Fevereiro. Viveu 20 anos na Franca, especialista em pinot noir da Borgonha. Quis mudar de ares, procurar "novos desafios" na carreira. E ali parou.

Frau chega e nos mostra as cinco primeiras garrafas. O primeiro justamente um pinot noir alemao, legítimo e sem sotaque. Pra surpresa do Luis, que só esperava Rieslings, o vinho desce como um veludo. Ariff Jamal, que era realmente indiano, também sorri após o primeiro gole. Mas nos conta que é uma uva complexa, precisa de tempo no copo pra respirar. Nos aconselha a deixá-lo de lado por um tempo. E que o melhor gole é sempre o último.

As garrafas de nr. 6 a 10 nos sao apresentadas. Cada uma com sua particularidade, ano de producao, vinhedo, tempo de colheita da uva e característica diferentes. Termino um 2010 Graacher Domprobst, apenas pra citar o nome do vinho fingindo que sou entendido - na verdade, acabo de olhar na lista de precos - e leio a descricao de sabores e aromas de um outro vinho da casa. Comento com a Frau que das duas uma: ou ainda nao desenvolvi sensibilidade suficiente pra perceber os odores e sabores descritos ou tudo aquilo é pura cascata de marqueteiro. Ela reconhece ser mesmo um exagero. O texto fala de aromas de nectarina, damasco, pêra e pêssego branco da regiao. Pra mim só existia o amarelinho.

Jamal diz que leva tempo pra perceber tudo isso, mas também acha um exagero. Diz que cada um sente e percebe cheiros e sabores de formas diferentes. Um vinho fabuloso pra uma pessoa pode nao ser tao apreciado por outra.

Mas acho meio viagem. Por exemplo, a opiniao do distinto enólogo após provar um champagne Pierre Gimonnet:


Ao mesmo tempo muito rico e delicadamente cítrico, desenvolve um fundo sutil de notas florais e minerais, eis um Champagne magnífico. Na boca é amplo, cremoso e aerado, este vinho de exceção deixa ao degustador uma grande lembrança enófila.

Muito vago e subjetivo. "Delicadamente cítrico", mais para limao, laranja, lima ou abacaxi?! "notas florais e mineirais", quais deles?! Margarida, orquídea, dama-da-noite, lírio ou papoula pra te enlouquecer?! E os minerais?! Sulfatos, carbonatos, óxidos ou fosfatos?! Cremoso pra mim é requeijao ou o próprio creme de leite que a Nestlé nao vende na Europa. Mas, vamos em frente.

Frau vai empolgando e enfiando um vinho atrás do outro na gente. Lá pelas tantas, Jamal remete a sua infância. Nos conta que vem da Caxemira e fora forçado a aprender os idiomas dos dois lados, Índia e Paquistao. Disse que certos vinhos sao tao inesquecíveis como a primeira palmada que ganhou do pai. Se mudou pra Délhi e ali, além do inglês, aprendeu os dialetos da regiao. Depois veio pra Europa e aprender francês e alemao foi moleza.

Nessa brincadeira Jamal comeca a explicar que os processos de fabricacao no Molitor sao todos manuais devido aos terrenos íngrimes ao redor do Mosel. Máquina nao entra, só a mao humana. E que o processo de fermentaçao, que nos americanos é todo controlado por computador nos tanques de inox brilhantes do Napa Valley, ali sao regidos pela Natureza. O nome em alemao de um desses processos é simples: "Thermokontroliertevergärungsabwicklung". Como 2 + 2 = 4. Isso nada mais é do que o processo de fermentacao controlado por temperatura. Sao tantos os parâmetros regendo os micro-climas dessas regioes e seus impactos nas safras que brinco dizendo ser como um malabarista com 12 bolas no ar. Se uma cair o vinho nao sai mais perfeito.

Garrafas nr. 11 a 15 na mesa da empolgada Frau a postos. Um tal Trockenbeerenauslese, ou TBA para os íntimos, nos é garbosamente mostrado. Aprendemos depois que num mesmo cacho das videiras centenárias de Herr Molitor, o Auslese é a uva madura com bastante suco, a Spätlese (spät = tarde) é ela bem mais madura e quase apodrecendo com um teor de acúcar maior, e a TBA é a uva seca, quase como uma uva passa com pouco suco, mas muito mais acúcar que as outras. Por isso a producao da TBA é bem menor, mais rara e, evidentemente, mais cara. O vinho que sai dela é um néctar dos deuses, fabuloso.

E pra fechar Frau traz um Eiswein, ou vinho gelo em traducao literal. Sao as uvas que nao sao colhidas na primavera e congelam no inverno mantendo um teor de acúcar nas alturas. Uma combinacao de temperatura e duracao do inverno tem que acontecer pra se conseguir colher o Eiswein. E nao é todo ano que isso acontece. Por isso as garrafas sao mais limitadas ainda que o TBA. Tem um de 1998 custando € 1.190,60. É mole?!

Bem, Jamal nos deu várias outras dicas, comparou vinhos a mulheres dancando com ventos esvoacantes balancando seus vestidos vermelhos nas estepes da Caxemira. Mesmo com 20 anos de Borgonha o álcool ainda faz um bom efeito nele. Nos convidou pra visitar o stand da família Molitor na ProWein, feira de vinhos que acontece todo mes de Março em Düsseldorf, e pra continuar visitando a regiao sempre que passarmos por ali.

Os dez minutinhos da Frau viraram hora e meia, mas saímos todos satisfeitos com os aromas, sabores, conversas e garrafas do Mittel Mosel.

Bom que fica no caminho. Quando acabar é só passar ali e encher o tanque.

1 comment:

Anonymous said...

Querido Bresson,

Queria ter estado junto com vcs, mas essas coisas boas só acontecem com os Bressons. Hihihi.

To rindo sozinha. Nem vou perturbar mais o Luis por ter comprado tanto vinho.

Bjokas,

Manu