Essen (fotos a noite)
O texto a seguir foi escrito no trem entre Hamburg e Essen segunda dia 7. Vai do jeito que ficou. Além das fotos, fiz uns videos tambem.
Hamburg, 6 dezembro 2009 (chove lá fora e aqui…)
O plano era sair de Düsseldorf cedo, umas 9h da matina dominical, no máximo. Fui capturado na cama por uma deslumbrante que dorme como criança e acorda como mulher. Carro é bom por isso. Liberdade total com horários. Comi um mixto com suco de laranja, carreguei Gerd com minhas tralhas e saímos.
Um domingo típico na Alemanha. Nublado, meio chove-mas-molha, frio de 8º C e a Autobahn vazia, sem os costumeiros caminhões. Meu GPS manual, um bloco de anotações com a seqüência de estradas, direções e rascunhos de mapas, indicava que deveria pegar a mesma A52 rumo a Essen. Seria a ultima vez que Gerd e eu faríamos esse já tão conhecido caminho.
A WDR3 tocava musica clássica, como sempre, mas resolvi escutar algo mais pop/rock. Fomos de ZZ Top, Jamie Cullum (pop/jazz), Lady Gaga (essa mulher invadiu as rádios do Mundo), Lilly Allen, Black Eyed Peas (com aquela musica que já encheu o saco) e outras tantas. A tal Globalização tem varias desvantagens. Uma delas é ouvir sempre as mesmas musicas, não importa o lugar. Com revistas e jornais é o mesmo. Livros também.
Perto de Oberhausen, vi corvos na beira da pista. São os únicos animais que se arriscam por um naco de comida num lugar desses. Eram três. Dois na pista e um no guard-rail esperando. Faísca & Fumaça era legal.
Me perdi ao procurar a A43 – Münster. Acabei dando uma volta desnecessária, mas logo voltei pra A2 – Bottrop/Bremem. Nunca visitei Bremen e essa seria uma chance única. Lembrei também que nunca havia chegado a Hamburg de carro e muito menos voltado de trem. Sempre de avião.
Parei pra abastecer e tomar um café. Os postos na Alemanha são padronizados. Todos iguais, impressionante. Vendem as mesmas coisas sem gosto, os banheiros têm o mesmo sistema dos 50 cents com a fichinha que pode ser usada pra comprar algo depois. São limpíssimos, sem duvida. Senti saudades daquelas almôndegas pretas por cima e vermelhas de molho por baixo dos postos brasileiros.
Numa segunda parada antes de Bremen, fui checar com a reguinha se Gerd precisava de energia. Dos 24 litros, ele havia bebido 13 e rodado 233 km. Consumo fantástico de quase 18 km/l.
[Tenho 1h53min de bateria, ou 54%. A ver]
Bremen e Hamburg são as duas únicas cidades-estado da Alemanha. Faziam parte da Liga Hanseática. As placas dos carros são HB e HH respectivamente. Juju pediu pra eu comprar chás na famosa loja de Bremen, mas era domingo e tava tudo fechado. A não ser pelos Weihnachtsmarkten, os mercados de Natal famosos por aqui. Fazem barraquinhas pra vender de tudo. Salsichões aos montes, Glühwein, um vinho tipo quentão das nossas festas juninas, doces, crepes, chocolates, um sem numero de artigos natalinos, sanduíches e algodão-doce. Vendiam em sacos, não no palito. Achei sem graça.
Entrei na St. Petri Dom por que sou um beato Salú. Entro nas igrejas mais pela arquitetura, obras de arte e riquezas ali contidas do que pela religião. Claro que sempre rezo e peço proteção, mas dessa vez esqueci. Na saída, vi uma escultura de um burro com um cachorro em cima, um gato sobre este e no alto um galo. Tem uma lenda sobre esses animais, mas não sei qual é. Depois procuro saber. Lembrei do Galo, meu vergonhoso time de futebol. Isso é assunto pra depois, ou não. Não sei se o Flamengo foi campeão. Melhor mesmo não saber.
Achei as pessoas em Bremen meio agressivas, mal educadas. Me olhavam torto. Dei uns esbarroes. Um cara atrás de mim ficou impaciente quando abri a porta duma loja e resolvi não entrar dando meia volta. Uma veia comendo um pão com salsicha o escondeu ao olhar pra mim. Eu tinha um litro de suco no bolso do casaco. Tirava fotos como qualquer turista. Não entendi o estranhamento. Sempre que visito uma cidade nova, compro um símbolo de pano pra um dia costurar numa jaqueta ou fazer um quadro. Dessa vez, nem me lembrei.
Tinha acabado de comer um sanduíche com o já falado suco quando vi um grill gigante cheio de bifes de carne de porco. Pedi um com molho e segui em direção ao estacionamento. Gerd me esperava impaciente.
Achar a saída pra A1 – Hamburg foi ate fácil. Parei num posto amarelo pra abastecer e mijar. Seria a última parada ate o destino final. Todo mundo olha pro Gerd. A maioria não fala nada, nem ao menos sorri. Mas sei que acham o carrinho simpático, engraçado. Duas pessoas falaram “Schönes Trabi!”. Agradeci e fui embora debaixo de chuva e da penumbra no meio da tarde. Inverno na Europa é foda. Cinco da tarde parece ser dez da noite. E assim fomos. Eu comendo biscoitos Leibniz de chocolate e Gerd meio ressabiado. Parecia saber que seu tempo no mundo europeu “civilizado” havia terminado. Ate soltou o botãozinho do farol, ainda em Düsseldorf. O mesmo que o Don Gomes pediu pra eu consertar e o fiz. Herr Drösser deu um tapa nele, mas não ficou 100%. Vou pedir outro e mandar pelo correio pra sede do Grande Premio junto com um pacote de biscoitos.
[1h34min de bateria, ou 44%. A ver]
A chegada na cidade foi fácil. Meu GPS manual foi perfeito, só que vacilei ao não seguir na rua do hotel, a Steindamm, e continuar na avenida. Voltar foi complicado. Achar vaga pro Gerd por perto mais ainda. Tive que esperar alguém sair pra conseguir. O hotel Residence era meio decadente por fora. A região também. Cheia de sex shops, lojas de apostas com negões mal encarados lá dentro, lojas fechadas, um teatro e outros hotéis baratos. Fiz o check-in, mas o recepcionista me mandou atravessar a rua e pedir um quarto no hotel da frente. Disse que eram da mesma rede. Sei. Já no novo e também decadente hotel (são da mesma rede mesmo), peguei a chave e subi. O elevador deve ter sido feito em Portugal. Não marca o andar inteiro, mas meio andares. Entrei no E-1 e subi ate o 3-4 por que meu quarto era o 31, no terceiro andar. A porta se abriu e desci meio andar. O quarto ficava meio escondido, mas era sossegado. O suficiente pra quem quer passar uma noite, talvez duas, e não quer gastar muito. Cama grande, travesseiros macios e melhores que o hotel chiliquento que fiquei semana passada durante um treinamento, uma mesinha com TV de 14” e um controle que não funcionava, dois abajures, o indispensável aquecedor, a janela pra ruidosa rua e o banheiro limpo e funcional.
Deixei as coisas e sai pra dar uma volta. Entrei nas sex shops pra ver o que tinha, como se já não soubesse. Nada de inédito, claro. Fui num bar cheio de TVs mostrando futebol. Ali estavam os negões mal encarados, mas que na verdade era apenas uma turma de amigos acompanhando a rodada futebolística. A loja de apostas era ao lado. Todos com os olhos grudados nas TVs, montes de papeis espalhados no chão, ninguém falando ou bebendo nada. Peguei um papelzinho pra tentar entender o esquema. Muito complicado. Resolvi não perguntar e procurar por uma cerva em outro lugar.
A Hbf, vulgo estação central, ficava logo ao lado. Aliás, essa tinha sido a condição nr. 1 ao reservar o hotel. A quantidade de opções de comida e bebida que se encontra nessas estações me assusta. Tem desde Pizza Hut, que gosto muito, McDonalds e Burger King, os de sempre, passando por lojas de comida chinesa, o kebab dos turcos, vegetarianos, italianos, hot dog, padarias e bier bars. Vi um da Löwenbrau, aquela marca famosa de cerveja bávara. Antes entrei numa livraria grande pra matar o tempo. Fiquei folheando um livro enorme do Hewmut Newton, depois li noticias em vários idiomas da imprensa internacional, peguei revistas de carros antigos, e por fim vi a entrevista do Dave Gröhl pra revista Mojo. Quem não o conhece, fique sabendo que começou numa banda pequena chamada Scream (vou checar depois), depois foi baterista do Nirvana, ajudou a fundar o Foo Fighters, gravou um álbum com o Queens of Stone Age e agora faz parte da mega banda Them Crooked Vultures. Vou ao show deles amanha em Köln (Colônia). Foi só por isso que escrevi sobre ele. Com a boca seca e pedindo uma gelada, me sentei na tenda bávara e pedi uma Löwenbrau. Assisti as lamurias dos técnicos de futebol alemão, vi alguns gols da rodada e me mandei.
Tem tanta gente nessas estações que fico sempre observando algumas pessoas e tentando adivinhar o que estão fazendo ali. A maioria espera o tempo passar pra pegar um trem, obviamente. Mas vários estão esperando por alguém. Muitos trabalham ali, ganham seu pão de cada dia. A grande maioria estrangeiros que migraram em busca de uma Vida melhor às custas de um trabalho braçal e quase escravo. Outros estão como eu, fazendo hora, tomando uma, comprando um livro ou revista, que não comprei, comendo algo por que moram por perto. Os que não têm pra onde ir ficam ali também. Pedindo esmola, procurando algo nas lixeiras. Não é tão raro de se ver cenas assim. Amanha estarei de novo nessa torre de Babel chamada Hbf pra pular num trem e voltar pra Essen.
Mas antes, tenho que despachar Gerd pra Montevideo.
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Hamburg, 7 dezembro 2009 (tem um velhinho do meu lado)
O porto abriria às 8h da matina. Desci pra tomar café às 7h e encontrei o necessário. Tinha ate mais do que isso. Pra mim basta um pãozinho com manteiga, queijo e café com leite. Nem precisa de presunto, mas tinha salame, ovos mexidos, suco de laranja, podia-se escolher entre cappuccino, expresso e milch caffe, tomate e pepino (alemães amam essa merda) e três tipos de pães. Me esbaldei. Pensei no hotel do curso em Essen e no exagero desnecessário. La havia o café da manha bem mais farto, é verdade. No meio da manha fazíamos uma pausa pro café com biscoitos ou frutas. Uma maquina de café dessas chiques ficava ali à vontade. Pra fazer um latte machiatto, cappuccino, expresso entre outros. Na sala de treinamento havia uma mesa com vários tipos de chá e mais café. O almoço tinha sempre uma sopa, depois salada, prato principal e sobremesa. Seguidos por um cafezinho no fim. No meio da tarde, nova pausa. E às oito da noite o jantar nos mesmos moldes do almoço. Não dava tempo de sentir fome. Um desperdício. Um exagero. Esse Mundo é muito injusto. Mais de um bilhão de pessoas passando fome e nos nesse abuso todo. Quanta comida era simplesmente jogada fora ali todos os dias.
Devia haver um meio de redistribuir tudo isso. Essa desigualdade toda existe por que uns poucos têm muito, mas muito mais do que precisam (e ainda reclamam), enquanto que a maioria não tem sequer o necessário pra sobreviver diariamente.
Bem, peguei Gerd e fui em direção ao porto, Hafen em alemão. Meu GPS manual dessa vez foi perfeito. O destino era a Dessauer Strasse 48 na Unikai. O tal Schuppen 48 abrigaria Gerd de hoje ate o dia 18 Dez. Nesse dia, o cargueiro Grande Francia dos Grimaldi o levaria para uma viagem só de ida aos mares do Sul. Ele me pareceu tranqüilo e sereno. Não se emocionou muito na despedida. Disse que seu tempo na Europa realmente já acabou. Agradeceu pelo carinho e cuidados, mas disse que agora fará parte de uma família nobre e conhecida no Brasil. Seu sobrenome será italiano. Magliari me disse ele. A tal empresa Orient ODS não tinha feito a reserva. Ao tentar fazer o check-in, Gerd não constava da lista de passageiros. Reservei uma cabine dupla, mesmo sabendo que ele embarcaria sozinho. Vai que ele conhece alguém na viagem. Dois telefonemas e tudo resolvido.
Entrei com dificuldades no pátio do porto, dirigi feito barata tonta ate achar o local exato onde deixá-lo. Vi vários carros interessantes, principalmente um jipe estilo militar da Suzuki. Não esses que a gente vê nas ruas, mas tipo Land Rover. Fiz algumas fotos e vídeos, mas um segurança me disse que era proibido. Mandou apagar tudo. Quando ele virou as costas, fiz tudo de novo e disse ao Gerd que sou brasileiro e não desisto nunca. Ele riu e gostou.
[56min de bateria, ou 27%. Essa conta ta errada.]
- Bem, agora você vai ficar aqui 11 dias e depois seu navio vai te levar pros Trópicos.
- Mas por que esperar todo esse tempo?!
- O navio é dos Grimaldi, são frescos. Querem tudo de primeira e leva esse tempo pra organizar tudo. Imagina a quantidade de champagne e caviar que estão levando.
- Não preciso disso. Quero apenas um lugar seco e confortável. E gasolina e óleo.
- Isso você terá, não se preocupe. Me garantiram na entrada.
- Explicou pra eles sobre as marchas na coluna de direção?!
- Claro, disseram que estão acostumados.
- E a chavinha da gasolina?!
- Também já sabem. Nenhum mistério ai.
- Tudo bem então. Essa traseira desse A6 me agrada.
- Foi coincidência. Você é um cara de sorte.
- E o protetor solar que o Flavio falou?!
- Chegando em Sampa você pede pra ele. Têm vários por que ta ficando carece e odeia tomar sol na moleira.
- Você vai ficar bem sem mim?!
- Claro, fazer o que. Vou sentir sua falta, mas segue a Vida.
- Pois é. Obrigado por mudarem minha Vida.
- De nada. Aproveite a viagem. Seu tio Walter te aguarda ansioso.
- Até mais. Nos vemos na Paulicéia.
- Inté Moema.
4 comments:
geeeeeeeeeeeeenio!
puloos
Pedro, não te conheço e tb não conhecia seu Blog.
Comecei a visita-lo somente para saber notícias do Gerd.
Quero dizer que vc acaba de arrumar uma fã, adorei ler seus textos, que alias são muitíssimo bem escritos. Parabéns !!
muito obrigado Jackie. sei que vc é amiga do Flávio e ele virou um grande amigo também.
nao tenho muito tempo pra escrever, mas vou fazendo o que posso.
continue visitando!
Dom Pedro, se um dia o livro sair dessa história toda, este é um capítulo. Tá em forma com o teclado, hein? E o vídeo é o máximo. Não vamos parar nisso, hora do projeto Barkas!
fg
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