Düsseldorf (Gerd está feliz)
Saí de casa hoje pensando nos documentários que assisti ontem na TV alema. Um bombardeio de informacoes, como sempre fazem. Tanto em quantidade como em qualidade.
Segui caminhando na manha fria e úmida do outono alemao em direcao ao canteiro de uma avenida. Lá existe um mini-estacionamento grátis. Fica a 10min a pé da minha casa. Talvez um pouco menos. De longe avisto Gerd. Parecia agitado. Me vê e se alegra prevendo o movimento.
Entro, me sento, passo o cinto, abro a torneirinha, puxo o afogador, bato a chave (ele sempre pega de primeira), diminuo o afogador, ligo o rádio, acendo os faróis, engato primeira, solto o freio de mao e arranco.
9 de Novembro de 2009 sao 20 anos depois da queda do muro da vergonha. O muro que dividia Berlin Ocidental, um enclave capitalista no meio da Alemanha Oriental, do lado Leste da cidade, socialista. Muro que separava as vítimas da Guerra Fria e do pós-guerra. Alemaes que pagaram com juros e correcao monetária o que seus antecessores fizeram para o Mundo entre 1939 e 1945. O joguinho político de poder e supremacia global teve em Berlin um dos seus principais símbolos.
Resolvi prestar a minha homenagem indo com um Trabant, de nome Gerd, para o trabalho em Essen. No caminho, alguns olhavam. A maioria ignorava. Acho que muitos nem se lembravam da data importante. Já na Autobahn 52, um carro passou e buzinou diminuindo a velocidade. Fiz um sinal de "jóia" e ele seguiu.
Gerd me contava que seus companheiros de estacionamento lhe perguntaram várias coisas. Carros capitalistas e modernos, nao estavam acostumados com um Trabi de 21 anos vindo das cercanias de Leipzig. Depois de esclarecida sua origem, Gerd relatou o curto período que viveu sob a cortina de ferro, de Set 1988 até 9 Nov 1989.
A família Lorenz se aventurou numa tentativa de fuga e asilo político na Hungria em Abril de 1989 quando as coisas pareciam mais amenas. Gerd foi contra desde o início, mas era voto vencido. Heiko, proprietário de um pequeno negócio de ventiladores, era o mais empolgado. Pia, a dona de Gerd, concordava com a tentativa com um pé atrás. Sua irma mais nova e o namorado foram levados pela influência do homem-ventilador.
Foram ver se os ventos húngaros sopravam mais fortes e frescos do que em Leipzig. No caminho foram controlados por uma patrulha do exército da DDR. Rapidamente percebeu-se a intencao dos quatro. Mandaram dar meia volta, mas nao sem antes aplicar uma multa. Gerd riu baixinho confirmando suas impressoes.
O dia de hoje foi marcado por várias homenagens. Além da ida até Essen, na hora do almoco levei uma alema colega de trabalho pra passear no Gerd. Ela cresceu no lado leste de Berlin e seu pai teve um Trabant igual ao nosso. Ficou feliz da Vida ao vê-lo e mais ainda ao ouvir o som característico do motor 2 tempos. Me contou que um Trabant era a única opcao naquela época. Retruquei dizendo que se poderia comprar um Wartburg, ora bolas. Ela respondeu que se para um Trabi esperava-se 10 anos, um Wartburg demoraria 18.
É estranha a sensacao de morar em um país tao desenvolvido e retrógrado como a Alemanha. Sao a potência da Engenharia, da Tecnologia e da indústria automobilística, entre tantas outras. Mestres da Filosofia, música clássica e Política. Mas ao mesmo tempo, vivem se estranhando uns aos outros. Grupos neo-nazis surgem aos montes na antiga DDR. Nao sabem nem o por que fazem parte desses grupos cujo único objetivo é a discriminacao racial pura e simples e a violência gratuita.
Os turcos sofrem bastante na Alemanha. Fazem um trabalho que nenhum alemao gostaria de fazer, mas necessário. Pagam impostos, geram renda e mais empregos. Os alemaes, de maneira geral, olham torto, no fundo, prefeririam vê-los em Istambul ou Ancara, bem longe daqui.
Apesar de nao dominar o idioma, conheco as diferencas culturais e o irritante modus operandi dos alemaes. Seguem regras à risca, sao inflexíveis na maioria das vezes, pouco criativos, mas muito metódicos, organizados e trabalham com alta produtividade. Nao trabalham muito, mas sao eficientes.
Gosto daqui, apesar de tudo. De ver as estacoes do ano mudando. Da localizacao. A Oktoberfest também é algo que me agrada muito. Os carros antigos e a proximidade de autódromos famosos como Nürburgring e Spa-Francorchamps. A já citada organizacao em um país onde tudo funciona. A infra-estrutura de transportes simplesmente fantástica com transporte fácil para todos. Todo mundo pode ir e vir sem maiores dramas.
Mas sinto que algo ainda me falta. Nao sei bem o que, mas vou descobrir em breve. Sou bom para prever o futuro. Tenho ótimas percepcoes e vislumbres. Nunca me enganei com as pessoas. Sei exatamente quem é quem e quais sao suas intencoes, índole, pensamentos. Nao, nao sou vidente e nem quero ser.
Talvez meu tempo nesse país já tenha acabado...
3 comments:
Caro Pedrinho,
esse foi um dos melhores post de todos os tempos no seu blog.
Parabéns!
Abração!
pationan
bom que vc gostou, humorista-mor.
abracao,
very nice post.
ontem ouvi a seguinte frase: "a felicidade tem formas relativas e para cada um é diferente. se nao estamos felizes onde vivemos, a vida deixa de ter sentido"
beijo
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