Saturday, April 22, 2017

Don Jeronymo

Viena (hoje foi bobó. amanha tem feijoada)

Perdi um amigo! Senhor Jeronymo ou Sr. Jeronymo, se foi. Pegou o Golzinho branco encardido de minério e foi dar umas bandas por estradas nunca antes conhecidas. Devia estar cansado de ver a chuva da varanda molhando a horta. Ou da violência galopante mesmo em cidades pacadas e pequenas como Marataízes. Passei um verao espetacular por lá uma certa vez. Ou da política e corrupcao cada vez mais obscena no Brasil.

Don Jeronymo! Era assim que me referia a ele. Seja a outros ou com ele na minha frente. Uma carreira brilhante, o que mais pode ser dito?! Ajudou a construir boa parte do Brasil. Fez Angra 1, 2 e 3. Trabalhou em Itaipu durante um tempo. Fez nao sei quantas siderúrgicas, fábricas de cimento, hidrelétricas e depois termelétricas, celulose, óleo e gás, refinarias e mineracao desde a britagem primária ao embarque via vagoes. Acompanhou a montagem de siderúrgicas no leste europeu durante a cortina de ferro. Na Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia, Romênia e quem sabe até na Rússia ele foi exibir seus conhecimentos. Da Christiani Nielsen para o mundo. Na verdade, de Cachoeiro do Itapemirim para o mundo. Conterrâneo de Roberto Carlos. Cada rei em sua área.

Na época da Christiane morava no Rio. A Carioca Christiane Nielsen. O escritório era em Botafogo. Malcoln Murren, o escocês, era o manda chuva na época, chefe e tutor. Assim como ele foi pra mim. Um mestre, mentor, tutor, exemplo de profissional, pessoa e homem. Tive como ele a relacao que gostaria de ter tido com meu pai, mas infelizmenete nunca tive. Falávamos de futebol, ele com o Vascao e eu com o Galao da Massa, política (era de esquerda, mas com ressalvas), música (gostava e ouvia de tudo), religiao (era bastante católico e se nao me engano, quase virou padre), mulheres, cotidiano. Sobre a Vida, enfim. E sobre o trabalho, sempre.

Águas Claras, Tamanduá, Capitao do Mato, Vargem Grande, Pico, Andaime. CMT - TAM - VGR - PIC. Entre 2000 e 2004 trabalhamos juntos no complexo do Tamanduá, a expansao da entao MBR, hoje Vale, exaurindo Águas Claras e abrindo CMT e TAM pra alimentar a planta de VGR via longos transportadores de correia e de lá descer até o terminal de Andaime pra embarcar minério pra a baía de Sepetiba. Nos navios o lump ore, sinter feed e sinter feed fine iria alimentar as siderúrgicas chinesas.

De quando em vez me chamava pra  almocar em Itabirito com Dona Luzia, sua esposa e Paulinho, seu filho mais novo. Que privilégio! Comida simples, caseira, feita com Amor. A melhor do Mundo! Me lembro do seu Romualdo, seu sogro já velhinho ali, almocando e escutando um pouco das besteiras que falávamos. Depois era pegar um sorvete no caminho e subir a serra pra completar o expediente. Nunca me esqueco Don Jeronymo dizendo "chocolate já é bom, gelado entao!!!"

No trabalho era uma máquina. Chegava as 7 e pouco da manha, se sentava e comeca a mexer nos seus famosos alfarrábios. Maria trazia um café e ele nem percebia. Controlava o que a Engenharia fazia. Checava pesos, volumes, quantidades e dimensoes como se fosse um computador. E achava erros, invariavelmente. Os desenhos eram revisados, ele checava novamente e só se dava por satisfeito quando os números batiam. Tinha seus parâmetros históricos adquiridos após tanto tempo no trecho.

Me sentava na mesa em frente a ele. Na primeira volta pela obra já me deu uma canseira. Nao consegui acompanhar o ritmo de sobe e desce de escadas e taludes. Ele entao com 64, eu com 26! A conclusao após o primeiro giro: aquilo tudo era uma orquestra e ele, o maestro. Sorriu marotamente concordando.

Achei que fosse viver mais de 100 dado o histórico familiar. Nao tinha nem nunca teve nenhuna doenca grave. Nao fumava nem bebia. Mantinha a forma e a sabedoria como poucos souberam manter. Tive o privilégio de conviver e me tornar amigo de um homem único em sua classe. Uma referência para todos nós. Uma fez Johnny Rambone inventou de cozinhar um galo e ele foi. Bebemos umas boas cervejas e cachacas com Dolfinho. Noite perfeita.

A turma o chamava nos bastidores de Pato Donald por causa dos cabelos brancos e longos ao vento. Achava engracado, mas nunca o chamei assim. Achava falta de respeito. Fazia amizades facilmente e era o olho do Perez, o coordenador geral do projeto, na obra. Um contraponto entre a Logos, empresa de gerenciamento, e a MBR, o cliente. Fundamental no sucesso de qualquer projeto.

Se manteve ativo até outro dia. Esteve na Libéria algumas vezes acompanhando um projeto grande da Vale já que nao conseguia ficar parado. Vivia prometendo me visitar na Europa, mas infelizmente nunca aconteceu. Trocamos algumas cartas, ele fez 80 ano passado no dia 15 de Novembro e sinto um remorso terrível por nao ter ligado dando os parabéns. Mas numa das cartas perguntei se teria festa e ele disse que nao.

Provavelmente comemorou vendo a chuva molhar a horta com uma xícara de café nas maos.

Vai em paz, meu amigo. Jamais te esquecerei.

1 comment:

Carla Moreira said...

Eu me emocionei lendo suas palavras...E escrevo estas, chorando. Papai também era muito mais que um pai para nós, era um exemplo em tudo! A dor é enorme pelo vazio que ele deixa! Só para constar: Fizemos uma festa pra ele sim, nos seus 80 anos, que foi, na verdade, dia 16/11. Ele teria gostado de receber seu telefonema. No ano passado, ele e mamãe, em 30/07, fizeram Bodas de Ouro e, mesmo contra a sua vontade, fizemos uma comemoração. Fico muito feliz por tanto carinho recebido e merecido por papai.Quis muitas vezes que ele e mamãe fossem à Europa, mas não consegui convencê-lo a tempo. Viajamos para a Nova Zelândia, em 2014 e ele ficou muito feliz com a nossa ida, apesar de a viagem em si ter siso cansativa. Só lembranças boas...Abraços!