Thursday, March 27, 2014

O Caos Organizado no Cairo

Cairo (mara, mara, mara, maravilha ê…)
 
Os motoristas egípcios talvez sejam os melhores do mundo. No meio de tanto caos onde a buzina significa “chega pra lá que tô passando” todos se entendem. Entre carros, principalmente Fiats e Ladas antigos, motos, tuk tuks, vans transportando os quase 8 milhoes de habitantes do Cairo, e pessoas nada acontece. Apesar das quase batidas a cada segundo, das finas onde nem um fio de cabelo passaria entre os carros e dos milhares de quase atropelamentos todos se salvam. Verdade que vimos um ou outro acidente nas estradas entre Suez, Sadat City e Alexandria, mas bem menos que o risco proporcionado.

Sinal vermelho significa siga e o verde, pare. Sao meramente figurativos. Os retornos em U no meio das autoestradas impressionam. Em plena pista da esquerda, teoricamente a mais rápida, é uma festa o entra e sai de qualquer coisa com rodas. Vira e mexe vem um na contramao coladinho na mureta. Deve ser proibido carros lentos andarem à direita. Os caminhoes entao sao donos da estrada. A buzina mais uma vez significa “tô chegando” ou “presta atencao que vou passar” ou “nao mude de direcao seu viado, senao vai bater”. E nao batem. E o pedágio?! Todo mundo embola de quatro pistas pra uma de repente. É cobrada somente a volta, mas mesmo assim embola tudo já que a polícia aproveita pra fazer uma blitz nos caminhoes e carros suspeitos. Ou seja, em TODOS.
 
Já sabia da hospitalidade dos egípcios, mas vive-la é outra experiência. Cordiais e atenciosos, preocupam-se realmente com o seu bem estar sem aquela hipocrisia de agradar querendo algo em troca. A comida é parecida com a libanesa, mas as entradas sao mais saborosas. O teatro para se escolher qual peixe sera comido deve fazer parte de algum ritual faraônico. Toda vez tinhamos que nos levantar e ficar assistindo a uma confabulacao em árabe para decidir qual, ou quais, peixes seriam levados a mesa. A quantidade é sempre grande. As carnes também sao boas, kafta, cordeiro ou frango. E o cappuccino do posto bem melhor e mais barato do que na Alemanha.



Nosso agente, uma mistura de Tim Maia pelo tamanho e Marcao Lagoa pela personalidade e bom humor, parece o prefeito da cidade. Onde vai conhece alguém. Cumprimenta com dois, três, até quatro ou cinco beijos no rosto. Se abracam efusivamente e dao gargalhadas falando alto. Mas sempre tem uma gorjetinha aqui e ali pelo menor esforco.
 
Os servicais estão por toda parte. Chega-se ao cúmulo de empregarem um menino pra ficar dentro do banheiro apenas tirando toalhas de papel e entregando a quem acaba de lavar as maos. Nos postos de pedágio dois empregados cuidam da coleta da grana. Um pega o dinheiro do motorista e entrega ao da cabine. Este imprime a notinha e devolve junto com o troco ao primeiro que passa o montante ao motorista. Num posto de gasolinha contei 12 frentistas pra quatro bombas. Mas também, com 95 milhoes de habitantes e uma das densidades demográficas mais alta do mundo (vivem ao longo do Nilo e no seu delta, o resto é deserto) tem que arrumar funcao pra todo aspone.
 
Coca-cola é uma marca onipresente. Talvez mais famosa que Alah ou Jesus Cristo. Qualquer biboca de beira de estrada no meio do nada ostenta o símbolo vermelho e branco como um brasao real. Até nisso a Pepsi leva desvantagem já que o vermelho chama muito mais a atencao do que o azul.
 
A velha guarda da populacao ainda sente saudades do ditador Mubarak. Dizem que a lei e a ordem era respeitada, o país mais seguro e a Vida mais fácil, apesar de tudo. Após a revolucao de Janeiro de 2011 os jovens acham que nao devem mais respeitar nada. Fazem o que querem, confundem protesto com vandalismo e liberdade com democracia. O país vive uma fase de transicao. As eleicoes de 30 de Junho próximo serao importantes para sacramentar o final da ditadura e um novo comeco após a decepcao com a Irmandade Mulcumana. A Muslim Brotherhood abusou do poder e do próprio Islã para se beneficiar e aqueles que os apoiavam. O restante era repelido e combatido com violência. O clamor popular pediu ajuda aos militares que, mesmo a contra gosto, tomou novamente o poder.
 
O candidato praticamente único à Presidência, Sissi, é um ex-militar de carreira. Sua intencao é se descolar dessa imagem e transmitir ao povo que um novo comeco está por vir. Enquanto isso a economia sofre, principalmente o turismo. Quando um país como a Alemanha, os viajantes mais frequentes do planeta, solta um comunicado pedindo aos seus cidadaos que evitem viagens ao Egito o golpe é grande. Desde o aeroporto meio vazio, aos hotéis com ocupacao média, restaurantes com mais mesas do que pratos sujos, museus sem fila e mesmo as piramides com camelos cocando as bolas e guias sofrendo pra convencer alguém a ouvir suas histórias, toda a principal indústria do país sofre. E mesmo que tudo fique calmo após as eleicoes, basta que se matem uma meia dúzia de branquelos turistas europeus para que o alerta turístico vermelho se instale novamente.
 
Mas o dia a dia aqui é diferente. Sao como as notícias de assassinato e violência que já nos acostumamos a ver na tv brasileira toda santa noite. Pinta-se um quadro de terror maior do que a realidade. Sao casos localizados e nao se pode generalizar. Fiz questao de visitar a Praca Tahrir onde a revolucao tomou corpo e derrubou o ditador. Trânsito normal com uma meia dúzia de jovens conversando. Um deles se aproximou e pintou Egito em árabe e a bandeira tricolor do país na minha mao. Um velho me deu uma faixa de amarrar na cabeca e perguntou de onde eu vinha. Quando falei Brasil ele comecou a gritar “Pelé! Pelé! Pelé!” Samba, futebol e carnaval. É a imagem do Brasil para o mundo. E fazemos questao de reforcá-la! Puxou uma bandeira e tiramos a foto. Por um momento me solidarizei com eles e sua causa tao complicada e difícil.
 
Vi umas 50 mesquitas ao longo desses dias. Sempre muito limpas e bem acabadas por fora. Nas estradas estão em toda parte. Deve haver alguma lei dizendo que se construa uma mesquita a cada 50km. Como aqueles telefones de emergência nas auto-estradas modernas. Um Disk Alah para pagar os pecados mais recentes. Preciso ler mais sobre o Islamismo.
 
Por toda a cidade metade dos prédios nao foram concluídos. É alvenaria e concreto com pontas de ferragens nas cabecas dos pilares pra tudo que é lado. E os prédios existentes nao tem reboco ou pintura. Somente um ou outro de moradores mais abonados é melhor acabado. Nem por isso existe violência. O Islã é tao arraigado na Vida espiritual, política, legal, social e pessoal das pessoas que as conduz e dita seu ritmo desde o primeiro instante.
 
O grand finale foram as piramides e a esfínge. Confesso que tinha mais interesse na última do que nas primeiras. De certa forma me decepcionei por que ela nao é tao grande assim, o sol estava quente e queimando a nossa cara impossibilitando boas fotos e soube que o nariz encontra-se num museu inglês e uma orelha no Louvre. Sempre achei que o Obelix havia quebrado o nariz da esfínge. Quase truquei o guia sobre o Louvre, mas resolvi ser diplomático.


As piramides sao grandiosas e impressionantes, claro. Os blocos imensos pesando em media 2,7 toneladas de um total estimado em 2.345.567 pedras, pedrinhas e pedroes foram ali colocadas por uma multidao de 20.000 escravos que trabalhavam por comida e abrigo. Estao ali desde 2.500 AC ou mais. Somos uma poeira de deserto perto delas. Do alto de um “navio do deserto”, vulgo camelo, todo o passeio é mais interessante.
 
Outras seis pequenas piramides adornam o sítio arqueológico. Se as grandes foram construídas para servir de sepultura a Quéops, o pai, Quéfren, o filho, e Mykerinos, o neto, as pequenas foram destinadas para as rainhas. Nunca soube disso. Muito menos que acharam um barco enterrado ao lado da maior delas. Achavam que o faraó, ao ressucitar, pegaria sua jangada, levantaria velas e navegaria Nilo acima rumo a Luxor ou Assuan retornando aos bracos da galera. Esses egípcios eram uns doidos geniais.


 
Na próxima vez visitarei o Museu Egípcio localizado bem perto da Praca Tahrir com os tesouros de Tutankamon, o faraó menino. Depois os souks, os famosos bazares de Khan El-Khalili.
 
Já bradava Napoleao aos seus soldados: “Do alto dessas pirâmides 40 séculos vos contemplam!"

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