Berlin, 12. Setembro 2009 - Sábado, GP Monza
Antes de falar sobre Gerd, vi essa miragem parado ao lado da East Side Gallery, os grafites naquele pedação do muro ainda de pé em Berlin. Um Melkus, motor de Wartburg e mecânica misturada desde com o Trabant. Waltinho + Gerd = Melkus. Apenas 101 unidades foram feitas segundo a Wiki. Coincidência ou destino?!
Na volta desse passeio, faltavam 15min pra terminar a classificação em Monza. Fingia tranquilidade ao lado da Juju e do Pedrão. Disse que estava com fome. Desculpa esfarrapada pra entrar num bar com TV. Achei um turco vendendo frango assado. Uma Samsung brilhava em cima da porta num suporte. Antes de pedir qualquer coisa, perguntei se poderia ligar a TV e sintonizar na RTL. Pedido atendido, peguei uma cerva e subi pro segundo piso. A visão era melhor.
Leipzig, 13. Setembro 2009 - Domingo, GP Monza (Hamilton pole)
Saímos muito cedo de Berlin, às 7h da matina. Eu e Juju, companheira e amante inseparável, seguimos da Ostbahnhof em direção à mega Hauptbahnhof, vulgo Hbf. De lá, pulamos num regional até Leipzig onde Heiko - marido de Pia - dona do Trabi, nos pegaria às 10h. Às 9:30h chegamos na belíssima estação central esperando por Heiko, o ainda proprietário do Trabant ano 1988 comprado há quase 6 meses pelo jornalista e doido varrido Flavio Gomes, don Gomes para os íntimos.
O McDonalds era o ponto de encontro. Sugestão do Heiko. A antiga DDR realmente não é mais a mesma. Entrei no furgão com minha bagagem com destino a uma cidadezinha nas redondezas. Juju preferiu ficar com a amiga Cris para um passeio pela cidade. Um obscuro galpão guardava o carrinho desde o começo de Setembro por módicos 30 EUR. No caminho contei ao Heiko e seu filho sobre Waltinho, irmão mais velho e sofisticado do Trabi, da exportação para o Brasil, a coleção de +/- 26 carros e 3 motos do don Gomes, a volta em Interlagos, o blog, entre outras coisas. Paramos num posto pra encher um pequeno galão com gasolina e óleo 2T na proporção de 300ml de óleo a cada 10 lt de benzin, vulgo gasosa. Pedi para pagar, mas Heiko recusou. Disse que essa era dele.
A família Lorenz nos aguardava ansiosa. Pia, a dona e mãe, sua irma mais nova com a filhinha nos braços e o marido mecânico, a filha da Pia com Heiko que desenhava calmamente num livrinho, e Michael, o mecânico. Apresentamo-nos uns aos outros, olhei o carrinho rapidamente e logo me interessei por um Volga russo. Estava a venda por 9 mil EUR. Só o viadinho saltitante no capo custou 900 lascas. A primeira vista o Trabi parecia em boa forma. Olhando melhor, descobri dois riscos na carroceria de Duraplast, que não enferruja nunca evidentemente, mas resseca de vez em quando.
Heiko me explicou o funcionamento dos austeros equipamentos de série, inclusive a chavinha de gasolina igual a usada por mobiletes com reserva e tudo. O vidro do motorista não fechava direito e os três, Heiko, o cunhado e o mecânico, atacaram o problema e só saíram de cima após resolvido. O tanque de apenas 24 litros fica dentro do compartimento do motor, vulgo cofre. Não tem medidor no painel, apenas uma régua com escala mostrando de 0 a 24 lt presa no forro do capo. A agora famosa reguinha explicada pelo doido Gomes. A autonomia seria de 300 km com “pé embaixo” e de 400 km com uma tocada mais tranqüila. Heiko estava muito otimista. A reserva tem pouco mais de 4 lt.
Logo no começo percebi a carinha triste da dona Pia. Me contou que o Trabi se chama Gerd, e que assim gostaria que permanecesse. Antes de ir embora perguntei o motivo da venda. Ela havia comprado um Renault, que não durou muito, e logo em seguida um pequeno Toyota. Disse a ela pra não chorar, que Gerd estaria em boas mãos e em breve ganharia uma fantástica e numerosa família em terras tropicais. Que seu irmão mais velho, Waltinho, o aguardava saudoso e feliz por poder voltar a buzinar em alemão.
O cambio no volante em posição vertical na coluna de direção foi novidade pra mim. Como nunca havia dirigido um DKW, achei engraçado e fácil levar Gerd pelo asfalto agora novo do Leste alemão. O radio ocidental funciona perfeitamente, mas preferi o som do motor 2T acompanhado da fumacinha característica.
Após a sessão de fotos e agradecimentos mútuos, prometi enviar fotos e o endereço do Blig do Gomes para que a família Lorenz acompanhe as peripécias de Gerd pelo Leste Europeu e depois America do Sul.
Após a sessão de fotos e agradecimentos mútuos, prometi enviar fotos e o endereço do Blig do Gomes para que a família Lorenz acompanhe as peripécias de Gerd pelo Leste Europeu e depois America do Sul.
Sai com Gerd pelo portão com Heiko ao meu lado observando meu desempenho. Seguimos numa tocada tranquila até o mesmo posto do galão. O alemão me elogiou na língua nativa com sotaque do Leste. Disse que eu era um ótimo motorista de Trabi. Ficou aliviado. Já no posto ele se despediu, entrou no carro do cunhado e se mandou sem olhar pra trás. Quem olha pra trás vira estátua de sal, diz a Condessa Julyanna von und zu Pampuglia com certa frequência.
Comprei óleo, coloquei 600ml seguidos de 20 litros e voltei pra pagar. Agia naturalmente, como se o Trabi fosse meu. Alguns olhavam, mas sem muita surpresa. Estavam acostumados.
Ao pagar, vi a dona passar um patê num pão de sal e colocar presunto. Não tinha comido nada. Perguntei quanto era e pedi um. A Coca veio junto.
Tinha que contar a novidade pro novo dono. Escrevi um SMS “Gerd (o Trabi) e eu estamos abastecidos indo pra Leipzig. Juju e Cris nos esperam pro almoço. Abração e obrigado.”, mas acho que ele nunca recebeu.
Logo após sair do posto, o primeiro de tantos outros, com o sanduba no banco, a coca no meio das pernas, a câmera numa mão e a outra pra guiando e mudando as marchas, fiz o video abaixo. Fiz uma edição tosca no iMovie, que aprendi a mexer ontem, e já pro vocêtubo:
Seguindo pela estrada da cidadezinha que levava até Leipzig Zentrum, peguei uma avenida. E não é que logo ali na frente seguia outro Trabi?! Cor gelo, um cara sozinho dentro que quanto viu o parente ligou os piscas, deu tchauzinho, buzinou. Fui seguindo ele até o Zentrum. Parei na estação e aguardei pela Ju e Cris. Olhava pro Gerd já imaginando a longa jornada até Düsseldorf. O carro ficou parado desde 2006 na casa da Pia. Aí vem um maluco a pedido de outro, pega ele e já enfia quase 500km no carrinho. Seria a maior viagem que ele faria na Vida. Viagem tão sonhada pelos alemães orientais até pouco menos de 20 anos atrás. Sair do Leste socialista em direção ao Oeste capitalista. O mesmo país que produzia Porsches, Mercedes e BMWs de um lado, fazia Trabants, NSUs, IFAs e Barkas do outro. Mesmo povo, idioma, cultura, costumes, músicas, mas separados por ideologias, por consequências de uma guerra onde eles tanto sofreram.
Consegui assistir a corrida após convencer as meninas a almoçar. Baixou um telão, desligou-se a música, veio cerveja e tome corrida. Não foi das melhores, mas matou a vontade. Na estrada, Gerd não decepcionou em momento algum. Saímos às 4 e meia com céu carregado e o frio de outono chegando tranquilo e sereno. Terceira pista da direita seria o habitat natural. Alguns caminhões iam ficando pelo caminho. Passar de 100km/h era forçar demais o carrinho. Estabeleci essa velocidade por que não tinha sentido forçar.
Gerd enfrentou intempéries bravamente. A chuva era constante. Os limpadores de pára-brisa foram desgastando durante o trajeto. Chegando em Düsseldorf o da esquerda ficou no ferro, quase arranhando o vidro. Paramos umas três ou quatro vezes para abastecer, descansar, comer, respirar. O ar quente esquentava, mas trazia junto o aroma da gasolina. Juju rezava pra que nada de errado acontecesse pelo caminho. Estava cansada, mas achava tudo ótimo. A folga na direção preocupava para o exame do TÜV, a inspeção obrigatória a que cada veículo alemão se submete. Sem TÜV não se muda o dono.
Chegamos às 23:30 fazendo o percurso em honrosas 7 horas. Em CNTP num carro normal, sem graça, charme e história sao entre 5 e 5:30. Na entrada triunfal na capital da Renânia do Norte e Westfália, a mesma por onde Napoleão invadiu a Prússia em 1700 e Kafunga, Gerd sentia que a missão tão sonhada por seu povo chegava ao fim.
Achei uma vaga na porta. Da janela dava pra ver ele. Depois do banho, abri a cortina pra espiar a rua. Um poste o iluminava. Parecia sorrir. Seus dias de marasmo e rotina casa-feira-escola-salao-casadasogra-casa chegaram ao fim.
3 comments:
que lindo!
voce tem que escrever mais...
e agora fazer mais videos.
um beijo
Hahahahahaahahahahahaha
essa viagem deve ter sido muito legal!!!!!
Pérolas do vovô:
"o estofado combina com o milharal..."
"não vou encostar não, problema é dele... respeite os mais velhos!"
Afinal de contas, o pessoal tem que respeitar os vovôs na direção de suas carangas (im)potentes... heheheheheh
Só que da próxima vez, coloca a trilha sonora mais baixo um pouquinho, às vezes parece que você tá falando por outro lugar... Toma umas aulas de sonoplastia com o Léo, humorista...
Seguindo o exemplo da Jujú: verificação de palavra: lasifro
Beijos!
Luiz e Pati
Olha, eu adorei o post do Gerb, mas agora eu quero ver a foto do Lula... Humoristaaaaaaa...
Post a Comment